Omissão do Estado favorece tragédias após chuvas.

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- agosto 23, 2013

Nas últimas semanas estive ausente desta coluna em função de compromissos de viagem. O primeiro deles foi no Espírito Santo, numa reunião sobre mudanças climáticas organizada pela Defesa Civil daquele estado, abordando o assunto:”As inundações, locais e de bacias, e suas relações com as mudanças do clima”.

Creio que fiquei bastante impressionado com o evento porque há muito tempo sinto a necessidade de engajar tão importante segmento da nossa sociedade no tema do aquecimento global, uma vez que as previsões da comunidade científica são claras em relação aos eventos climáticos extremos e suas conseqüências na sociedade. Ainda que nem sempre seja possível estabelecer com clareza a relação causa efeito entre o aquecimento global e alguns “desastres naturais”, não há como negar que daqui em diante esta agenda deverá estar mais presente no nosso dia-a-dia.

São Paulo enfrentou um dia de caos na volta do feriado de 7 de setembro, pelos 70 milímetros de chuva entre 8 e 17 horas, volume altíssimo para essa época do ano. Com isso, diante de incidentes como esse, foi possível se ter uma idéia do que pode vir a ser o futuro próximo das nossas cidades. Neste caso particular se provou que a cidade está absolutamente despreparada para situações como essa. Pelo caos no trânsito, enchentes e todo o sofrimento daquelas horas, os paulistanos puderam ter noção do que pode vir a ser um impacto do aquecimento global em suas vidas.

A primeira conclusão é que precisamos saber como estaremos vulneráveis ao aquecimento global em nossas cidades e em nossas vidas. Para tanto, precisamos elaborar um mapeamento dessas vulnerabilidades, o que requer uma capacitação da sociedade brasileira em duas direções: identificação dos riscos e medidas de prevenção para melhor gerenciá-los. Com isso, torna-se possível evitar que os desastres naturais se transformem em tragédias de grande repercussão.

Identificar riscos não é uma tarefa complexa, uma vez que já existe massa crítica capaz de realizar tais atividades. Temos muitas instituições no país que há anos se dedicam a tais matérias, a exemplo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) em São Paulo. No próprio evento no Espírito Santo, algumas exposições me deixaram surpreso pela sua qualidade: Petrópolis já realiza muitas ações, bem como a cidade de Vitória.

O desafio maior diz respeito à prevenção, pois esta esbarra sempre na omissão do Poder Público, que permite ocupações e invasões em áreas de risco, e até mesmo realiza obras sem os cuidados técnicos necessários, gerando as tragédias que assistimos no noticiário: ocupação de encostas e margens de rios, por pobres e ricos, impermeabilização em áreas extensas, enfim, a paisagem urbana de praticamente todas as cidades brasileiras.

Essa omissão não é mero acaso, mas é reflexo do sistema político brasileiro, no qual a permissividade dessas ocupações é moeda de troca de vereadores e deputados estaduais e federais, bem como de prefeitos e governadores. Os ocupantes são encarados meramente como eleitores e currais eleitorais, e o poder de polícia, que é uma obrigação do governante, se transforma em “discricionariedade”, isto é, uma decisão de livre escolha. O problema se agrava pelo fato de que após as ocupações e invasões o Poder Público é obrigado a fazer grandes investimentos para urbanizar as ocupações, com custos elevadíssimos por conta do contribuinte.

Precisamos resgatar a capacidade de planejar e transformar o Estado em indutor e promotor de políticas públicas, que atendam o interesse da população mais pobre, no que tange às demandas sociais, invertendo radicalmente os sinais. Isto, na minha opinião, é desenvolvimento sustentável.

A cada novo estudo sobre mudança do clima se constata que os prazos se encurtam no que tange à eliminação de sua causa: o lançamento de gases efeito estufa na atmosfera. O outro desafio é a adaptação da sociedade aos impactos que são inevitáveis, em função do acúmulo dos gases já lançados nos últimos 200 anos, pois não podemos voltar o filme.

A loucura em toda essa história é que, na prática, se colocam muitas barreiras culturais e políticas quando se tenta limitar os gases efeito estufa. Os lobbies se organizam dentro do governo e no legislativo sob os mais diversos pretextos, entre eles, de que precisamos nos desenvolver, como se fosse possível ignorar os alertas dos cientistas e os desastres naturais que inundam o noticiário. Matéria da Folha de S. Paulo deste domingo demonstrou que o perímetro compreendido pelo Estado do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, oeste do Paraná, norte da Argentina e Paraguai representa a segunda região com maior incidência de tornados do mundo, sem que isto traga maior consciência por parte dos políticos desses estados ou mesmo do país.

Nessa altura da vida devo confessar que o ponto cego na discussão das questões ambientais e climáticas está em como mobilizar efetivamente a sociedade na direção de mudanças necessárias para o enfrentamento dos problemas. Há alguns anos atrás imaginei que um Katrina seria capaz de chacoalhar os americanos, pelas repercussões daquele furacão ocorrido em Nova Orleans. No Brasil, sonhei que o Catarina, em 2004, iria ser um grande instrumento de persuasão em Santa Catarina, e isto não aconteceu.

Talvez a grande discussão esteja no campo da neurociência. Como trabalhar em situações como essa? Que tipo de mensagem deve ser comunicada para que a sociedade internalize a dimensão de risco e urgência que a questão climática traz? Como gerar emoções que instrumentalizem comportamentos que produzam desde políticas públicas adequadas a escolhas individuais no cotidiano que contribuam para o enfrentamento do problema?