Século XX versus século XXI: o direito de ver as estrelas

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- agosto 23, 2013

Esta semana vou escrever sobre algo aparentemente poético mas que merece uma profunda reflexão: “o direito à luz das estrelas e em defesa dos céus noturnos”.

De acordo com matéria publicada no Estadão, astrônomos reunidos na 27ª Assembléia Geral da União Astronômica Internacional (IAU na sigla em inglês) resolveram defender o reconhecimento desse direito, lançando uma campanha de conscientização sobre o mesmo, o que para alguns poderia ser encarado como algo supérfluo, ornamental, despropositado.

Na minha opinião, essa campanha é absolutamente vital, uma vez que cada vez mais o mundo se torna urbano, de modo que perdemos completamente a possibilidade de usufruir de um prazer enorme revestido de absoluta simplicidade: olhar o céu, acompanhar as estrelas!

Alguns anos atrás me foi dito que quem olha para o próprio umbigo adquire a escala de um anão e quem olha para cima a de um gigante. De fato, quando estamos angustiados pelos problemas do dia-a-dia, muitas vezes nos perdemos das questões essenciais, sendo que a energia se vai em coisas irrelevantes. Quando olhamos para cima e vemos a imensidão do céu, os problemas se tornam menores.

Simples?

O acesso ao céu depende, nos dias de hoje, de menos poluição, valendo lembrar que na Ásia existe uma grande nuvem carregada de poluição tóxica que atinge milhares de quilômetros, e em muitas das cidades da China, a poluição do ar é tão grande que os dias são literalmente cinzentos. No Brasil, infelizmente, vivemos situação parecida em muitas cidades grandes, o que os paulistanos conhecem bem. E aqui não estamos falando apenas da poluição luminosa. A título de exemplo, segundo o cientista Augusto Damineli, representante brasileiro do Ano Internacional da Astronomia (IYA 2009, siga em inglês), 30% da iluminação elétrica é jogada para o céu, ou seja, desperdiçada.

Se há trinta anos a polarização era exatamente entre esquerda e direita, hoje creio que estamos diante de dois pólos que se opõem, a visão de mundo do século XX versus do século XXI.

Não ver o céu no século passado não constituía nenhuma afronta aos nossos direitos, uma vez que a industrialização a qualquer preço era aceita como requisito para o progresso e crescimento econômico. Hoje é bem-vindo o movimento de reconhecimento de novos direitos, ainda que possa ser entendido, no caso brasileiro, que o mesmo está contemplado no artigo 225 da Constituição que diz que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

A pergunta que muitos fariam seria: é possível assegurar o conforto dos habitantes das grandes cidades sem comprometer o direito de ver as estrelas?

Certamente é possível e até desejável. Na maioria das cidades do planeta há enorme desperdício de luz e novas tecnologias estão surgindo com melhores padrões de eficiência energética. Além disso, existe o desafio cultural de valorizar o céu e o direito de ver as estrelas, que uma vez colocado e reconhecido pela sociedade, levará a novas exigências em termos de planejamento urbano, infra-estrutura mais eficiente, enfim, temas do século XXI.

Quem sabe possamos pensar que uma das atividades de entretenimento noturno em São Paulo possa vir a ser novamente olhar o céu e as estrelas.