O caso do Código Florestal.

Artigos

- agosto 29, 2013

Tenho constantemente escrito nesta coluna sobre clima, mais especificamente aquecimento global, florestas e desmatamento.

 

Enfim, temas presentes na agenda ambientalista, estratégicos para o futuro do planeta e do Brasil.

 

Reconheço que sempre fico na dúvida se insistir não significa perder o leitor: criar uma sensação de que não há nada de novo no front. A título de exemplo, a Folha de São Paulo de ontem (05/03/09) tem como chamada principal o impacto da poluição gerada pelos automóveis, causando a morte de vinte pessoas por dia na grande São Paulo.

 

Inúmeras vezes falamos sobre isso, inclusive no que tange à qualidade do diesel brasileiro. Pessoalmente acredito que o maior desafio a ser enfrentado nessas questões se dá no campo de mobilização da sociedade, a quem cabe definir com clareza as suas demandas e quem são os responsáveis direto ou indiretamente por atendê-las. Parece fácil mas são questões complexas, que dependem de muitos fatores e mais do que tudo perseverança.

 

No caso das florestas, é importante salientar que a sua importância está sendo cada vez mais reconhecida pela comunidade científica, e o seu papel ecológico em termos dos serviços ambientais que presta e os danos decorrentes de sua supressão ou mesmo de seu empobrecimento. A revista Science, publicação renomada no meio científico, destinou sua edição de junho de 2008 ao tema das florestas, mostrando a conexão existente entre clima e florestas, através de processos físicos, químicos e biológicos que afetam o ciclo de carbono, o ciclo hidrológico, a composição atmosférica, entre outros.

 

A idéia das florestas como um “amontoado” de árvores que perdurou por muitos anos não deveria encontrar amparo numa sociedade que vive o início de uma grande crise ecológica, que tende inexoravelmente a se agravar.

 

No Brasil a cada início de ano legislativo enfrentamos a guerra do Código Florestal. De um lado a bancada ruralista exigindo mudanças, e no pólo oposto os ambientalistas querendo manter as normas existentes. Por de trás dessa questão não se pode deixar de mencionar que o Congresso Nacional não tem sido capaz de atender a demanda da sociedade em termos de uma legislação que assegure a sustentabilidade dos biomas brasileiros e que respeite o direito constitucional das futuras gerações no que tange ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (caput do artigo 225 da Constituição Federal).

 

Quando se fala em Congresso Nacional não podemos esquecer que no regime da atual Constituição o Executivo exerce um papel absolutamente crucial, ou seja, a maioria formada pelo governo definindo a pauta, as votações de matérias constantes nos projetos de lei ou mesmo nas medidas provisórias. Tudo isto para dizer que os governos que seguiram a promulgação da Constituição de 88 não colocaram em suas agendas tais temas, de modo que legislações que regulamentem o uso da Amazônia, Pantanal, os patrimônios nacionais por ela considerados, ainda estão por serem elaboradas, com exceção da Mata Atlântica, cuja lei foi sancionada após uma tramitação de 14 anos.

 

A inexistência de tais legislações remete necessariamente ao Código Florestal, que uma vez modificado no sentido de diminuir a proteção legal nele existente significará abrir as comportas para a destruição de praticamente todos os biomas brasileiros, com exceção da Mata Atlântica. Em outras palavras, Catinga, Cerrado, Amazônia, dependem das normas federais que o protegem, ainda que muitos estados sejam portadores de legislações específicas, a exemplo de Minas Gerais, que pela liderança do atual Secretário de Meio Ambiente José Carlos Carvalho tem avançado significativamente na proteção legal e institucional dos biomas existentes em seu território.

 

O Código Florestal brasileiro data de 1965, ou seja, é um cinquentão, sendo parte de suas normas inspiradas no Código de 1934, que já tratava de proteger as matas ciliares. Em outras palavras, a legislação brasileira desde o início da nossa colonização sempre procurou proteger as nossas florestas, ainda que sem grande sucesso. Isto quer dizer que ao tratar da reserva legal em 1965, o legislador permitia o desmatamento de 80% na região sudeste, exigindo apenas um percentual de preservação dos 20% remanescentes, não incluindo as áreas de preservação permanente (APP’s) por entender que a sua manutenção sempre teve por objetivo preservar a própria sustentabilidade das atividades econômicas exercidas pelos proprietários.

 

Exemplifico: proteger o entorno das nascentes de água é garantir a perenidade desse recurso para as próprias atividades agropecuárias; proteger a vegetação em áreas com alta declividade significa evitar os deslizamentos de terra, bem como proteger as matas ciliares significa impedir o assoreamento dos corpos d’água e proteger as benfeitorias de eventuais enchentes e inundações.

 

Hoje, quando se afirma maliciosamente que a agricultura brasileira tem efetivamente uma barreira ao seu desenvolvimento na manutenção das normas ambientais de maneira geral, e especificamente no Código Florestal, tem-se como objetivo favorecer uma visão de curtíssimo prazo que atende única e exclusivamente setores atrasados da economia agropecuária nacional,que não têm sido competentes em inovar tecnologicamente, além de na maioria das vezes se apropriarem ilegalmente de terras públicas, mediante meios escuros como a grilagem, expulsão de populações tradicionais e de baixa renda, pelo uso de pistoleiros.

 

É o Brasil contemporâneo que se opõem ao arcaico: bandidagem pura e simples versus uma visão que incorpora a dimensão ética da sustentabilidade, traduzida por práticas socioambientais inovadoras, que compreendem o desafio da humanidade em produzir com menor intensidade de recursos ambientais, reconhecendo os limites do planeta no concreto.

 

No caso do Código Florestal, de acordo com o ambientalista e empresário Roberto Klabin, presidente da SOS Mata Atlântica, temos que saber o que está em jogo e testarmos à exaustão a capacidade de alianças estratégicas entre as lideranças políticas, setor empresarial cosmopolita, e a sociedade civil organizada. Para ele, certamente há que se fazer um esforço de convencer empresários que não há necessidade de expansão da fronteira agrícola sobre ecossistemas naturais, e , ao contrário, o acesso de bens e serviços brasileiros perde com a imagem negativa do Brasil, em função da nossa vergonhosa posição entre os cinco principais emissores de gases efeito estufa do planeta.

 

Em outras palavras, ponderou Klabin, a lição de casa é clara: esvaziar o conteúdo pseudocientífico de que a agricultura brasileira depende de incorporação de áreas novas para se manter no atual patamar de competitividade mundial; articular as instituições públicas e privadas de pesquisa para que possam melhorar a produtividade nas áreas já existentes, bem como preparar certas culturas para manterem sua continuidade face ao aumento da temperatura em curso em várias regiões do país; fixar um cronograma para elaboração de legislações específicas, incorporando conceitos como o de serviços ambientais, associando políticas de comando e controle com uso de instrumentos econômicos.

 

Todos que acompanham a discussão do Código Florestal sabem que nos moldes que ela se coloca hoje é um jogo de soma zero, sem perspectiva de assegurar avanços importantes em termos de uma política efetiva de conservação associada ao combate ao aquecimento global e desenvolvimento sustentável.

 

O cidadão comum não consegue acompanhar essa discussão.

 

O governo federal, com exceção da área ambiental, continua omisso em relação a suas responsabilidades. A primeira delas é zelar pelo patrimônio público representado pelas terras que estão sendo apropriadas a revelia da legislação.

 

Torna-se necessário enfatizar que o passo mais importante é promover uma radical regularização fundiária no Brasil, empregando os recursos tecnológicos existentes e baratos, como o uso do GPS para identificar as propriedades, aliás como determina a legislação há anos descumprida. No caso das terras devolutas, destina-las à preservação ambiental como determina a Constituição Federal de 88.

 

No momento em que se prepara a campanha de 2010, creio que é rigorosamente importante se colocar tais temas na agenda eleitoral.

 

Os partidos políticos devem se sentir obrigados a se colocar diante dessas questões, assumindo compromissos concretos com a sociedade. Esta, por sua vez, deve detalhar essas demandas e usar o voto como instrumento de pressão efetiva sobre os candidatos à presidência, bem como ao Congresso Nacional.

 

O Partido Verde, hoje uma legenda ainda nebulosa para grande parte dos eleitores, deveria se espelhar na campanha vitoriosa de Obama, buscando claramente o voto jovem e ético. Deveria se transformar numa referência temática, exercendo uma liderança efetiva no campo da sustentabilidade, incorporando inovações em curso na sociedade. Poderia se transformar no principal mecanismo de manifestação política do eleitorado brasileiro nestas questões, caso tenha coragem de efetivamente se diferenciar nas práticas políticas partidárias.

 

O que se pede é que ao invés de ser mais um partido nanico, tenha um perfil transformador com idéias e programas claros. Ao invés de participar da micro-política de troca de cargos para os seus integrantes e simpatizantes, deveria ser o grande líder nas bandeiras ambientalistas, associando-as às outras demandas sociais aqui existentes.

 

Sem criarmos ou mesmo acreditarmos que é possível transformar, enquanto indivíduos, estaremos ouvindo imobilizados a orquestra do Titanic tocar, enquanto o naufrágio se torna evidente e inafastável.

Artigo Publicado no Terra Magazine