Depois do carnaval, mãos à obra

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- agosto 29, 2013

Enfim, o ano no Brasil começa agora.

 

Certamente a crise será a sua marca principal. Demissões em grandes empresas se iniciaram, a exemplo da Embraer, sendo difícil saber até que ponto será possível reverter a perda de postos de trabalho pela desaceleração da produção industrial.

 

Dois mil e nove, por outro lado, pode ser um ano especial pelo fato de que não teremos eleição, ainda que o governo Lula esteja em campanha a favor da Ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, até aqui a mais provável candidata do PT. Do outro lado, tudo leva a crer que José Serra será o candidato do PSDB.

 

Em todo o mundo os candidatos se tornam muito semelhantes em suas propostas macroeconômicas, em que pese a fissura nos principais pilares da economia mundial, principalmente a crença de que o mercado seria capaz de resolver os problemas da sociedade.

 

A crise mundial demonstrou a fragilidade das instituições públicas diante da conduta irresponsável de muitos agentes econômicos financeiros, de modo que o lado bom da crise está exatamente no redesenho de políticas públicas e de instituições nas várias esferas de governo, isto é, global, nacional e subnacional.

 

Talvez o que mais impressione em tudo isso seja a falta de responsabilidade de figuras públicas e executivos de grandes grupos corporativos, que não encontraram limites em sua ação predatória e que levaram milhões de famílias no mundo inteiro a conviver com o desemprego e outros males irreparáveis a curto e médio prazo.

 

Enfim, o mínimo que se pode esperar é que a crise seja capaz de gerar uma nova era de responsabilidades.

 

Voltando ao ano de 2009, acredito que este seja um ano especial no que tange ao aquecimento global em razão da reunião da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas a se realizar em Copenhague no fim do ano. O objetivo é se estabelecer novas obrigações por parte dos países no que tange à emissão de gases efeito estufa, permitindo que se possa inverter a curva de emissões até o ano 2020, assegurando-se, desse modo, que os danos sejam administráveis.

 

Explico: ainda que parássemos de lançar tais gases na atmosfera, o que já fizemos nas últimas décadas não é possível de reversão. Reside aí um aspecto fundamental de toda a discussão sobre o impacto da humanidade sobre o planeta: normalmente os danos são irreversíveis, de modo que todo esforço deve ser feito para se evitar os mesmos.

 

Dois mil e nove, portanto, é um ano especial pois a nossa capacidade de gerar um regime internacional que trate do futuro do planeta está sendo escrito.

 

Para que tenhamos sucesso é importante que metas ambiciosas sejam estabelecidas e que os textos deixem de ser ambíguos, definindo o papel de todos os países e atribuindo-se ao setor empresarial responsabilidades claras sobre o desempenho ambiental de seus bens e serviços. Ou seja, as empresas multinacionais não poderão suprir o mercado com produtos obsoletos nos países emergentes, devendo os consumidores, por sua vez, demandar a incorporação de inovações tecnológicas em caráter universal. No mundo globalizado não se pode aceitar que veículos a diesel no Brasil sejam comercializados com motores de tecnologia obsoleta, valendo o mesmo princípio para todos os produtos, ou seja, computadores brasileiros terão que atender o mesmo padrão de eficiência energética daqueles comercializados em todos os mercados. Em outras palavras, os mercados dos países emergentes devem atender os melhores padrões existentes, durante toda vida útil de seus bens e serviços e também no que tange ao pós consumo, de modo que os impactos de disposição final sejam o menor possível.

 

Na semana passada, no evento Mobile World Congress em Barcelona, foram divulgados dados demonstrando que o mundo terá 5 bilhões de celulares em 2010, o que não significa em si nenhum mal. Aliás, os celulares têm um enorme papel nos países emergentes na promoção de inclusão social. A dúvida que fica diz respeito ao descarte desses aparelhos, principalmente se levarmos em conta que esse lixo contém metais pesados e nos países emergentes são descartados sem os cuidados necessários. A China, nos últimos dez anos, passou de 4 milhões de celulares para 620 milhões, com enorme potencial de crescimento, sendo que no Brasil a penetração é de 82%, segundo a coluna de Ethevaldo Siqueira, na sessão economia do Estadão de 22 de janeiro último.

 

É bom lembrar que muitos celulares são descartados em um período de dois anos e alguns de seus componentes são tóxicos e cumulativos. No caso do Brasil, que segundo o IBGE dispõe grande parte do lixo em lixões, o aumento do uso de celular teria que trazer preocupação aos políticos do executivo e legislativo, mas isto de fato não tem ocorrido, como prova a tramitação lentíssima de projetos de lei na Câmara dos Deputados sobre o tema: a primeira proposta sobre uma “Política Nacional de Resíduos Sólidos” foi apresentada no início da década de 90…

 

Chamo atenção ao tema da responsabilidade do setor empresarial em todas essas questões, especialmente nas negociações internacionais uma vez que as sociedades se fazem representar basicamente pelos governos, de modo que a responsabilidade corporativa normalmente fica diluída e difusa, tornando as empresas “irresponsáveis” pela resolução dos problemas que geram.

 

Em momentos de crise se utilizam de argumentos falaciosos para não assumirem sua obrigação de adotar inovações tecnológicas indispensáveis para o enfrentamento de problemas tais como o aquecimento global, poluição dos mares e muitos outros.

 

Algum leitor poderia argumentar que os governos têm poder de controlar as empresas, mas é preciso lembrar que nas democracias contemporâneas cada vez mais se faz presente o papel das empresas no financiamento das campanhas eleitorais, o que no mínimo inibe legislações mais rigorosas e a sua respectiva implementação…

 

No Brasil acredito que vivemos um período de desencanto com a política tradicional. Para a maioria da população os partidos e os políticos são movidos unicamente por interesses pessoais e ocupam cargos públicos em busca de seus próprios proveitos. Esta situação gera um sentimento de apatia generalizada e de desinteresse, num círculo vicioso difícil de quebrar, tornando qualquer expectativa de mudança ainda mais difícil.

 

Como falar em aquecimento global num momento em que as pessoas estão preocupadas em não perder seus empregos?

 

A meu ver, este ano exige das pessoas mais engajadas e da própria sociedade civil a capacidade de estabelecer uma agenda mínima para os candidatos presidenciais de 2010, de modo que possamos criar na campanha um ambiente propício ao debate, longe da superficialidade dos programas eleitorais e que chame atenção para políticas públicas de médio e longo prazo.

 

Entre os temas certamente estarão o modelo de desenvolvimento, segurança/violência, saúde e educação, mas o importante é tratá-los na sua interdependência e numa visão holística.

 

A título de exemplo, colocaria questões relativas à necessidade de melhoria na infra-estrutura de transporte urbano, na perspectiva de se permitir que as nossas cidades fiquem menos poluídas e congestionadas, ao mesmo tempo em que os investimentos públicos pudessem gerar mais postos de trabalho.

 

A educação privilegiaria qualidade na formação das crianças e adolescentes, ao mesmo tempo em que permitiria que os mesmos estivessem preparados para os desafios da sociedade contemporânea inclusive em termos de inclusão digital.

 

O tema de segurança poderia incluir a diminuição da população carcerária e a sua re-socialização, incluindo medidas de melhoria do nosso sistema judicial, que hoje permite que 1/3 dos 400 mil presos permaneça ilegalmente nas prisões pela falta de apoio em seus processos de defesa.

 

Adolescentes saídos das escolas praticamente analfabetos têm pouca oportunidade de inserção no mercado de trabalho, sendo presas fáceis do narcotráfico.

 

Cidades sem transporte público eficiente, barato e não poluidor estimulam o transporte individual em detrimento da saúde da população.

 

Ausência de fiscalização gera destruição ambiental e estimula a impunidade, enquanto a valorização econômica do patrimônio ambiental e cultural poderia estimular um turismo contemporâneo, não predador e capaz de gerar renda e trabalho em toda sua cadeia produtiva.

 

Tributos bem desenhados poderiam estimular bens e serviços eco-eficientes, ao mesmo tempo que desestimular tecnologias obsoletas.

 

Certamente não há novidade no que foi dito acima.

 

Entretanto, não temos sido capazes de estruturar de modo sistêmico uma alternativa mais sustentável para o Brasil, que possa ser submetida ao escrutínio eleitoral e que em linhas gerais nos permita ter uma visão do que é necessário para que possamos nos preparar nos próximos 20 anos, enfrentando os desafios de geração e distribuição de renda, melhoria da qualidade de vida da população brasileira e usufruto sustentável dos recursos ambientais.

 

Tudo isso em consonância com a idéia de uma cidadania planetária a ser partilhada com os outros países, levando em consideração a dimensão global desses desafios, uma vez que não são unicamente brasileiros.

Publicado no Terra Magazine