Liderança e aquecimento global

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- agosto 29, 2013

Esta semana participei do lançamento do Fórum Pernambucano de Mudanças Climáticas, iniciativa do governo daquele estado com o objetivo de articular iniciativas que preparem a sociedade pernambucana para o tema do aquecimento global. Com o apoio do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade – e da Embaixada Britânica, e com a liderança de Aristides Monteiro, Secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente e do ambientalista Aloysio Costa Júnior, Secretário Executivo, houve um debate a bordo do navio Artic Sunrise, do Greenpeace, sobre o assunto.

 

O que mais impressionou os presentes foram as exposições de Eduardo Assad, Chefe-geral da Embrapa e Paulo Nobre, pesquisador do INPE. Ambos demonstraram que os impactos do aquecimento global no Brasil já estão em curso com resultados na agricultura brasileira, e que os cenários considerados mais pessimistas pelo IPCC são os mais próximos da realidade. Os grandes jornais brasileiros registraram estudos científicos recentes constatando a diminuição do gelo no Ártico, de modo que a grande questão no Brasil e no mundo é como traduzir a urgência e gravidade do problema em ações.

 

No Brasil a minha experiência pessoal é desanimadora: o tema é tratado como se o aquecimento global fosse assunto do futuro e não do presente.

 

As enchentes em Santa Catarina, as chuvas em São Paulo, enfim, eventos climáticos presentes nesses últimos meses não foram capazes de motivar a sociedade e os governos para que o aquecimento global seja tratado com a urgência requerida.

 

As pessoas de maneira geral têm dificuldades em tomar atitudes em relação ao tema. Muitos se sentem imobilizados pela magnitude do problema, ou seja, assumem uma postura fatalista retirando da sua esfera pessoal a possibilidade de intervir. Verdade seja dita o esforço da comunidade científica, sociedade civil e da mídia deve ser feito na direção de oferecer às pessoas individualmente um repertório de escolhas, desde a esfera eleitoral, como votar na próxima eleição, até que tipos de produtos e serviços consumir, como apoiar ONG’s comprometidas, como fazer escolhas adequadas em termos de diminuição da chamada pegada ecológica (ecological footprint).

 

No fim da semana passada, participei de um evento promovido pela ABDL – Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças, no sítio da Cachoeira, localizado em Duque de Caxias, exatamente sobre lideranças e aquecimento global. A ABDL é o capítulo brasileiro do LEAD – Leadership for Environment and Development, iniciativa criada na década de 90 para estimular líderes no mundo inteiro em torno do desenvolvimento sustentável, apoiada pela Fundação Rockfeller com investimentos que chegaram a alguma coisa em torno de 100 milhões de dólares.

 

Em princípio parece algo simples: identificar líderes em vários países, de diversos segmentos e criar uma plataforma comum em torno da sustentabilidade, organizando redes que permitam ações individuais ou compartilhadas, levando em consideração as diferenças culturais e de formação de cada uma das lideranças.

 

Como acompanhei o projeto desde o início, devo constatar a complexidade que uma idéia tão criativa traz. O que é um líder? Como aferir sua atuação? Em outras palavras, se estamos falando de um líder sindical certamente a sua liderança tem como critério de aferição a sua capacidade de mobilizar os seus pares no sindicato, fazer greves, dialogar com os patrões, uma série de ações, que não podem ser comparadas com um líder empresarial, o responsável pela área de sustentabilidade de uma empresa, ou mesmo um professor universitário ou um cientista.

 

O interessante na experiência do LEAD e da ABDL está exatamente em focar o tema liderança, uma vez que, cada vez mais, a mesma merece atenção da sociedade, pela constatação de que o mundo contemporâneo em sua complexidade e diversidade, exige lideranças com habilidades e visão que lhes permita exercer a mesma, com a capacidade de conduzir as transformações na direção da sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável. No caso do aquecimento global, o maior desafio atual da humanidade, precisamos de liderança para que efetivamente sejam realizadas as transformações que permitam lidarmos da melhor maneira possível com o tema: criar ou transformar a nossa sociedade em uma economia utilizadora de pouco carbono.

 

Na exposição feita por Eduardo Assad a mensagem foi clara: precisamos investir em tecnologia que assegure maior resistência de algumas culturas ao aumento da temperatura em curso no Brasil, com o objetivo de gerenciar e garantir a continuidade dos atuais padrões da agricultura brasileira. Ele mesmo, um líder na sua instituição – Embrapa, demonstrou que as decisões devem ser tomadas imediatamente se quisermos reduzir os impactos do aquecimento global na agricultura brasileira. Por sua vez, no mesmo diapasão, Paulo Nobre insistiu na importância de associarmos investimentos no campo educacional, chamando atenção para o aquecimento global, em nossas instituições de ensino. O próprio Paulo mostrou ser uma “liderança transformadora”, pelo fato de transcender na sua ação os limites restritos dos meios acadêmicos, com práticas inovadoras de mobilização da sociedade.

 

Voltando ao evento da ABDL em Duque de Caxias, o que me chamou atenção em relação ao início do programa LEAD foi a incorporação da dimensão pessoal na discussão da liderança, valorizando-se muito as dimensões existenciais motivadoras do exercício do papel de líder. Em outras palavras, se enfatizou que estímulo e formação de lideranças dependem do desenvolvimento de habilidades internas das pessoas que permitam um balanço entre o eu interior e os ambientes externos. A própria escolha do local do evento é simbólica: no meio da Mata Atlântica, entre cachoeiras, no qual a discussão do aquecimento global sob perspectiva científica foi compartilhada com técnicas de relaxamento e discussão dos novos estudos da neurociência sobre nosso cérebro e liderança.

 

O grupo de líderes envolvia integrante do movimento social ligado à reforma agrária, responsáveis pela sustentabilidade de grandes empresas mineradoras, líderes de ONG’s, enfim, pessoas de diversas faixas etárias e com formação diferenciada, reunidas numa discussão e vivência relacionada com aquecimento global: o que cada um pode fazer em relação ao tema, como fazer, que iniciativas têm poder de replicabilidade, que tipo de network pode ser estabelecida…

 

A liderança dessa iniciativa, bem como a sua facilitação, foi exercida por uma ambientalista reconhecida: Thaís Corral. Coube a ela, com o diretor da ABDL Dalberto Adulis, escolher o conteúdo do programa LEAD desse ano, bem como associar o mesmo com os aspectos da liderança relacionados ao “being” (ser), numa abordagem absolutamente inovadora, sintonizada com as discussões mais recentes sobre a matéria, como podemos ver nos artigos recentes publicados na revista Harvard Business Review.

 

Pessoalmente, aprendi muito nesse evento e saí mais otimista. Existem lideranças potenciais que compreendem a urgência do problema do aquecimento global e estão dispostas a enfrentá-lo com a gravidade que o mesmo merece. Já fiz a ponte com Trancoso para que a experiência de utilização de embalagem de leite longa vida possa ser utilizada pela sua comunidade com o objetivo de reciclar tais embalagens e utilizá-las para melhorar o conforto térmico de habitações com problemas. Telhas de cimento amianto podem chegar a 70°C durante o dia, trazendo desconfortos e graves conseqüências para a saúde, afetando gravemente a disposição das pessoas para o trabalho, uma vez que é impossível dormir durante o dia, especialmente para as pessoas que trabalham durante a noite. Conheci essa iniciativa no evento, sendo que a minha participação se deu nos moldes do que se preconiza hoje: falar sobre a sua própria experiência e simultaneamente ouvir e aprender com os demais.

 

Quem quiser conhecer melhor, sugiro que acesse o site do LEAD e ABDL e, quem quiser saber mais sobre liderança contemporânea, entre em contato diretamente com Thaís Corral.

 

* Para conhecer mais sobre todas as iniciativas tratadas por este artigo, basta acessar os seguintes sites: ICLEI (http://www.iclei.org/lacs/portugues), LEAD (http://www.lead.org) e ABDL (www.abdl.org.br).