A lição dos desabamentos

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- outubro 14, 2013

O Brasil foi surpreendido pelo desabamento de três edifícios no Rio de Janeiro há pouco mais de uma semana e, embora as causas não estejam claras, o episódio serviu para chamar atenção para a necessidade de uma fiscalização mais eficiente de um lado e, do outro, para a necessidade da conscientização de todos sobre os riscos gerados por mudanças em edifícios.

Até então, certamente nenhum de nós, ao fazer pequenas reformas em nossos escritórios ou mesmo residências, tinha noção de que tais reformas poderiam gerar riscos expressivos.

Colocar bibliotecas em edifícios não preparados para suportar o peso delas também pode trazer consequências. Obviamente o ideal sempre está em consultar especialistas, engenheiros civis e arquitetos.

Mas a realidade é que este grave acidente será um marco em termos de conscientização do país.

Mas o que importa é chamar a atenção para a necessidade da sociedade compreender que parte importante da legislação que define regras urbanísticas tem como objetivo defender os interesses de seus usuários: simples assim?

A resposta é não. Isso porque a maior parte das pessoas encara este conjunto de regras como fazendo parte de uma “burocracia”, que rouba da população tempo, energia e, muitas vezes, propina – o que em muitos casos pode ser até verdade.

Como consequência, normalmente o descumprimento dessas normas não traz nenhum problema moral. Isto é, entra no repertório usual comum nas nossas práticas do cotidiano.

Eliminar exigências estúpidas e burocracias que azucrinam a vida do cidadão é parte da solução, mas muitas vezes são dificultadas pelos interesses escusos que se apropriam da burocracia estatal: é na ponta da fiscalização que o cidadão comum sofre a corrupção.

Lembro de um episódio que marcou o início da minha vida profissional: ao trabalhar na Prefeitura de São Paulo, fui procurado por um representante de um sindicato de fiscais preocupado com o valor irrisório de determinadas multas.

No primeiro momento, ingenuamente fiquei positivamente surpreso com o interesse do cidadão. Enfim, um servidor preocupado com o interesse público.

Até que outro funcionário mais experiente me advertiu sobre o real propósito daquela demanda: se o valor da multa é baixo, a propina é menor porque os cidadãos tendem a descumprir e pagar a multa.

Certamente há necessidade de um esforço enorme da sociedade em rever a legislação brasileira na maior parte dos municípios, com o propósito de separar o joio do trigo, e, também, atualizá-la diante das novas demandas da sociedade.

Refiro-me especialmente aos Códigos de Obras, com o propósito de que possam incorporar novas tendências, como as edificações mais sustentáveis.

Os telhados verdes, por exemplo, estão sendo cada vez mais valorizados como estratégia de combate às ilhas de calor e mitigação de enchentes, por diminuírem a velocidade das águas e a demanda por energia.

Porém, em São Paulo, caso um incorporador resolva implantar um telhado verde, este será considerado área construída, diminuindo a sua taxa de retorno.

Certamente esta tragédia não pode deixar de ser vista como uma oportunidade para melhorarmos as nossas instituições e a relação do cidadão com o poder público.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 6 de fevereiro de 2012.