A mídia contemporânea

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- outubro 10, 2013

A mídia exerce no mundo contemporâneo um papel primordial. Quarto poder, ou não, é essencial para a democracia e com a internet está cada vez mais democrática, na medida em que se multiplicaram as fontes, que hoje complementam o que se chama mídia convencional. No Brasil, temos certamente uma mídia responsável, ainda que como em qualquer “instituição” se veja altos e baixos, sem que seja possível se atribuir responsabilidades quando se trata de contextos complexos. O caso mais emblemático nos últimos dias é o do assassinato da menina Isabella, amplamente debatido sob diversos aspectos, incluindo a cobertura jornalística.

Pessoalmente o que me chama a atenção é o fato da não haver regras claras sobre o relacionamento da mídia com as autoridades responsáveis pela apuração policial. Este episódio lembra a promiscuidade entre parlamentares e a imprensa em várias CPIs, nas quais o vazamento da informação era recompensado com a visibilidade nos meios de comunicação, ainda que tais procedimentos pudessem prejudicar a própria averiguação dos fatos.

No caso da menina Isabella me pergunto como uma determinada emissora pode ter acesso exclusivo a determinado depoimento, laudo policial – ou o quer que seja, uma vez que em tese a divulgação dos mesmos deve ser feita de modo democrático, sem privilegiar este ou aquele meio de comunicação, e principalmente sem prejuízo ao próprio procedimento de investigação policial. No caso dessa cobertura jornalística me parece que estamos diante de uma situação semelhante ao das CPIs, entretanto, em se tratando de autoridades policiais submetidas a regime jurídico próprio, com hierarquia clara, não há como deixar de se registrar a ausência de uma orientação formal do alto comando da polícia fixando com clareza regras aplicáveis a situações como essa. A existência de tais regras protegeria a própria autoridade engajada na investigação, tornando-a menos vulnerável à pressão dos jornalistas. Estes, por sua vez, estariam menos pressionados pelo “furo jornalístico”, quebrando-se de certo modo o círculo vicioso. Não podemos esquecer do emblemático caso da Escola de Base, causador de prejuízos morais irreparáveis aos envolvidos.

Certamente alguém poderia usar o raciocínio no sentido contrário, ou seja, o “furo jornalístico” valeria mais. O meu argumento é que o vazamento da informação nesses casos deveria gerar a responsabilização por parte dos servidores públicos envolvidos, com o propósito claro de desestimular tais práticas que ao meu ver em se tornando usuais e corriqueiras prejudicam as investigações policiais, o que pode em última instância favorecer os próprios investigados. Muitas vezes condenações da opinião pública não se refletem em decisões judiciais, ou seja, absolvições são obtidas pela ausência de provas ou mesmo anuladas quando as mesmas são obtidas de modo ilícito.

O estabelecimento dessas regras deveria seguir um processo público de consulta, com o propósito de gerar um compromisso aceito por todas as partes envolvidas, fazendo com que aqueles que descumprissem tivessem no mínimo uma sanção moral por parte da comunidade dos próprios jornalistas. Isto, aparentemente ingênuo, poderia trazer mudança nas relações entre as fontes e os meios de comunicação, tornando-as mais éticas sem prejuízo à divulgação das informações ao grande público. Há notícias de que em certas situações como seqüestros de pessoas com expressão na opinião pública há um pacto de não divulgação com o propósito de salvaguardar a integridade da vítima.

Voltando ao noticiário dos últimos dias, não posso deixar de fazer alguns comentários sobre a polêmica da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. Minha opinião sempre foi na direção do que foi enfim feito pelo atual governo, tendo defendido a minha opinião publicamente no governo FHC. Alguns anos antes defendi a demarcação do território Yanomami, também objeto de enorme polêmica, prevalecendo na ocasião o entendimento de que a sua efetivação não afetaria o interesse nacional, argumento levantado por aqueles que diziam que tudo não passava de uma grande conspiração internacional contra a soberania do Brasil.

Decorridos todos esses anos os Yanomamis continuam brasileiros e a conspiração não se verificou.

No caso atual da Raposa Serra do Sol o que me chama a atenção é que inverdades legais têm sido colocadas e disseminadas sem o esforço de se verificar a sua adequação: as reservas indígenas são de propriedade da União com usufruto para os índios que lá habitam, sem impedimento de qualquer natureza à atuação das Forças Armadas na defesa da nossa integridade territorial. Quer dizer claramente que o que se diz de ameaça à nossa soberania não existe e no caso dessa demarcação ou qualquer outra a decisão da FUNAI se dá como cumprimento da Constituição Federal de 88. A mesma foi objeto de enorme negociação, sendo que os dispositivos que tratam desse assunto tiveram como um de seus defensores o então senador Jarbas Passarinho, aliás Ministro da Justiça quando da demarcação do território Yanomami.

Será possível se imaginar que o senador Jarbas Passarinho faça parte dessa “conspiração”?

A discussão deveria estar concentrada no Estatuto dos Índios, ou seja, na regulamentação do texto constitucional, cujo prazo está há muito esgotado e que permitiria à sociedade brasileira estabelecer as bases para uma discussão menos influenciada por interesses específicos como estamos assistindo. O que é inaceitável são reiteradas afirmações colocando o alinhamento de posições legítimas e amparadas legalmente na Constituição Brasileira como sendo parte de interesses escusos articulados contra o Brasil. Os índios fazem parte da nossa sociedade e podemos aprender e ensinar muito com eles na convivência difícil e complexa de um país que abriga tal diversidade cultural como o nosso.

Por fim não há como não registrar o repúdio à absolvição do mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang. O exemplo é péssimo e também exige uma reflexão sobre o judiciário brasileiro, na medida em que crimes dessa natureza e com essa repercussão deveriam merecer foro privilegiado, longe de pressões regionais e locais. Como não conheço detalhes do julgamento, deixo de me aprofundar sem deixar de manifestar preocupação com a principal testemunha que negou suas afirmações anteriores, que levaram à condenação anterior: provavelmente assistiremos a uma “queima de arquivo”.