A vingança da Natureza

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- outubro 10, 2013

“A dramática situação vivida pelos moradores das encostas dos morros do Rio de Janeiro, de Petrópolis e cidades da Baixada Santista atingidas pela enorme quantidade de chuva que vem assolando o país nas últimas semanas traz à tona a realidade nacional da completa ignorância e omissão das autoridades para com as leis básicas da ecologia e planejamento urbano. Não é de hoje que os ambientalistas vêm alertando os governantes e mesmo a população para o enorme perigo de se construir intensamente nos morros, desmatando aleatoriamente as escarpas de montanhas cuja sustentação depende da vegetação, já que a Serra do Mar é formada por terreno geologicamente instável.

Ainda em 1981, um estudo sobre a degradação da cobertura vegetal da Serra do Mar, na região de Cubatão, elaborado pela Cetesb – Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo – previa a iminência de uma catástrofe naquela região, com ameaça de desmoronamentos que, se concretizados, destruiriam depósitos e romperiam dutos, liberando na atmosfera gases altamente tóxicos e inflamáveis cujos efeitos seriam trágicos. Neste caso, a cobertura vegetal próxima àquela região, antes densa, havia sido reduzia a raquíticas arvores devido ao excesso de poluição no ar. Plantaram-se braquiárias e lavaram-se as mãos.

Apesar dos alertas e da catástrofe que os confirmou em 1966, dessa vez no Rio de Janeiro, o poder publico continuou a fazer vista grossa para os perigos existentes, permitindo assim que milhares de pessoas colocassem em riso suas vidas. Quando esses acidentes previstos acontecem, finalmente, as autoridades tentam passar a idéia de que ocorreu uma “catástrofe natural”. Na verdade, essas catástrofes são fabricadas item por item. Na ultima semana, a natureza, mais uma vez, não perdoou o abuso e transformou a enorme colméia que caracteriza mundialmente nossas favelas em grandes feridas compostas por terra fofa, corpos, casas semi-destruídas e dor.

Os prejuízos econômicos e sociais advindos da irresponsabilidade em arquivar projetos viáveis e seguros para que a população possa ter acesso a uma moradia decente são muito maiores do que se tivessem sido postas em pratica idéias que não saem do papel. Qualquer técnico sabe que é impossível não prever o pior em um caso desses. Se não sabe, os estudos que se amontoam nas repartições públicas comprovam as teses ambientalistas de que não é plausível construir tamanha quantidade de casas em encostas tão inseguras, com tais níveis de desmatamento.

Também não é possível deixar que os dutos situados na Serra do Mar, próximos a Cubatão, continuem ameaçados de rompimento sem que, para isso, sejam tomadas providências cabíveis visando a segurança da população ou mesmo que regiões como a de Campos do Jordão, a famosa cidade serrana no interior de São Paulo sempre associada a uma imagem bucólica, continuem a ser devastadas por loteamentos criminosos, do ponto de vista urbanístico e ambiental, e mais tarde sejam passiveis de destruição, como a que ocorreu em Petrópolis.

O descaso é federal se lembrarmos que o Brasil foi o único dentre os 42 paises tropicais a se recusar a participar do Plano de Ação para Florestas Tropicais, projeto elaborado pela Organização de Alimentação e Agricultura da ONU (FAO) com a finalidade de conseguir auxilio financeiro e técnico para a preservação e utilização racional das florestas situadas nos trópicos. Florestas que, somente no Brasil, desaparecem a um ritmo de 40 hectares por minuto. Um relatório apresentado à ONU em outubro do ano passado registrava que a cada dez anos o numero de pessoas afetadas por “catástrofes naturais” dobra.

Quem, no final, pagara por todas essas omissões? Os homens públicos que hoje aí estão continuarão a persistir nos erros que se repetem a cada administração? Quantas vidas serão necessárias para que os assuntos do meio ambiente passem a merecer a importância que na verdade têm? É imprescindível que, a partir de agora, as autoridades ponham em ação programas de emergência para reconstruir partes criticas nas encostas através da recuperação da flora local. Ao mesmo tempo, o assentamento da população deverá obedecer a um rígido cronograma de evacuação das áreas mais críticas e, mais tarde, dos entornos dessas áreas, a fim de que as encostas sejam preservadas como um todo. De nada adiantara ressarcir os bens materiais perdidos se a situação anterior persistir, pois sempre haverá o risco de se pagar pela displicência com novas vidas.

Será necessário também passar a aplicar com determinação férrea leis de zoneamento que não levem em consideração apenas os interesses econômicos envolvidos. Proteger o meio ambiente, respeitar as leis da natureza nada mais é do que garantir a qualidade de vida a longo prazo para as próximas gerações a um custo menor do que supõe a vã filosofia.

Aos constituintes cabe o desafio de sancionar o capítulo de meio ambiente nos termos em que foi aprovado pela Comissão de Sistematização, garantindo a todos a “Segurança Ambiental”. A catástrofe fluminense trouxe à tona a importância de se salvaguardar o meio ambiente. Que esta tragédia sirva para evitar erros maiores no futuro.

Esse artigo foi escrito por mim e publicado na Revista Veja há 20 anos atrás, o que denota o real descaso das autoridades brasileiras no que se refere à ocorrência de tais desastres naturais. O que se viu na semana passada em Itaipava só reitera o que eu havia dito há tantos anos atrás. É preciso que as autoridades brasileiras atentem para estas questões, caso contrário poderemos publicar este artigo seguidamente, ano após ano, sem que este perca significado e relevância.

Caros leitores, fica aqui um convite à reflexão…

 

Publicado o Terra Magazine em 12/02/2008