Atitudes hostis, vítimas fatais

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- outubro 14, 2013

Não é original afirmar que o comportamento das pessoas no trânsito reflete o grau de civilidade da sociedade. Bons pais, bons profissionais, bons moços se tornam vândalos ao dirigirem suas máquinas. Políticos, empresários e gente simples têm virado notícia pelas barbaridades cometidas com seus automóveis.

Há poucos dias, em São Paulo, a bióloga Juliana Ingrid Dias foi atropelada na Avenida Paulista quando se dirigia de bicicleta ao seu trabalho, no Hospital Sírio Libanês. Este é o segundo caso de atropelamento fatal de ciclistas na Avenida Paulista.

O outro aconteceu em janeiro de 2009 e matou a ciclista Márcia Regina Prado. Em junho de 2011, perto da Avenida Sumaré, um ônibus também matou o empresário Antônio Bertolucci.

Ainda que seja óbvio, é importante assinalar que não se trata apenas de fatalidade, mas de uma cidade efetivamente despreparada para lidar com os ciclistas e pedestres que são diariamente submetidos a atitudes hostis por parte de motoristas, sejam eles de carros, motos, ônibus ou caminhões.

Infelizmente, não é uma peculiaridade paulista. Porto Alegre foi cenário de um grave episódio no qual ciclistas foram atropelados intencionalmente por um motorista irritado com a “bicicletada”.

Na medida em que as nossas cidades oferecem pouca estrutura para a bicicleta e mantêm as calçadas em precárias condições, as pessoas optam pelo transporte motorizado, de modo que esquecem de se colocar no chinelo dos outros: hoje motorista, amanhã pedestre ou até mesmo ciclista.

Com isso, deixam de ter o cuidado necessário com o outro, o que fica exacerbado com o poder supostamente adquirido com a condução dos seus veículos.

Certamente não há justificativa para o acontecido com Juliana, Márcia e Antônio. Nada será suficiente para mitigar a dor e o sofrimento das suas família. Mas talvez haja uma certa “reparação”, se pelo menos esses episódios servirem para questionar a falta de ética que as nossas cidades estimulam.

De um lado, há que se criar condições para que as pessoas possam ter mais mobilidade via transporte público e transporte não motorizado, o que está se tornando cada vez mais evidente com os congestionamentos gigantes de São Paulo e que se alastram por todas as cidades médias brasileiras.

A continuar com o aumento vertiginoso da frota de automóveis, todas as cidades médias brasileiras terão que implantar o “rodízio” nos próximos anos, o que demonstra, inequivocamente, a loucura da falta de planejamento.

Por outro lado, temos que nos educar para sabermos lidar com situações nas quais há uma assimetria de poder no cotidiano. Em outras palavras, temos de levar em consideração que na vida exercemos papéis diferentes: hoje motorista, amanhã pedestre. Hoje advogado, amanhã cliente. Hoje vendedor, amanhã comprador.

Quanto mais estivermos preparados para práticas éticas no micro, maior será o padrão ético da sociedade e, com isso, todos ganham. Não pegar acostamento, não fechar o cruzamento, não furar fila, são pequenas trapaças que aparentemente são atitudes de pouco impacto social. Mas, ao contrário, estimulam, no macro, um sentimento de prepotência e arrogância que, em última estância, geram muitas vítimas fatais.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 19 de março de 2012.