Bill Gates e as privadas

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- outubro 2, 2013

Em termos de saneamento básico, o Brasil tem muito a evoluir, como o IBGE tem demonstrado. As grandes cidades lançam enorme parte de seu esgoto ‘in natura’ nos corpos d’água, transformando os nossos rios em esgotos a céu aberto. São Paulo infelizmente não foge à regra e, nesse período de estiagem, os paulistanos sofrem com o cheiro insuportável dos rios Pinheiros e Tietê. Até aí nada de novo.

Hoje vou falar de um assunto “tabu”, mas um grande desafio para todos: a privada. Para tanto, vou chamar a atenção para o esforço que a Fundação Bill & Melinda Gates tem feito no sentido de desenvolver um equipamento que permita a transformação do cocô e xixi em fertilizante, água pura e, eventualmente, fonte de energia ou eletricidade.

Os vasos sanitários tradicionais se utilizam de água potável, a mesma que usamos para escovar os dentes, para transportar os resíduos para estações caras e grandes usuárias de energia.

A revista Science de agosto passado publicou uma matéria especial sobre o assunto, demonstrando que essa é uma questão complexa e que envolve psicologia, política e economia.

De acordo com a matéria, as estações de tratamento de esgoto precisam ser melhoradas do ponto de vista tecnológico, com a finalidade de consumir menos energia e lodo, este último normalmente depositado em aterros sanitários ou incinerado.

No Brasil ainda se coleta pouco esgoto e se trata menos ainda. Por essa razão, deveríamos estar dando mais atenção para essas tentativas de promover inovações nas privadas.

Há que se superar a filosofia de que basta puxar a descarga e esquecer, a exemplo do que também fazemos com o lixo na porta de casa.

No caso das privadas, o que se pretende é separar o xixi do cocô com muitas vantagens. A urina contém menos elementos patogênicos do que o cocô e o seu tratamento é muito mais fácil.

Além disso, contém nitrogênio e fósforo, que podem ser utilizados como fertilizantes, sendo que o fósforo é muito importante do ponto de vista ambiental.

O seu impacto no planeta tem sido um dos grandes temas em trabalhos recentes da comunidade científica sobre os limites do planeta já mencionados nessa coluna.

Várias tecnologias têm sido testadas de acordo com a revista Science. No Brasil poderíamos enfrentar estes desafios até porque em muitas áreas há grande dificuldade de implantação de redes coletoras, de modo que existe a oportunidade de inovarmos no seu desenho e diretamente nas privadas.

É sempre bom lembrar que antes do advento da privada, os dejetos eram lançados diretamente das janelas nas ruas. Palácios, como o de Versalhes, não dispunham de banheiros e, sempre que imaginamos tais situações, somos tomados por um sentimento de nojo.

Entretanto, os nossos descendentes provavelmente terão o mesmo sentimento quando tomarem conhecimento de que, ainda hoje, grande parte dos nossos dejetos é lançada nos rios e nos oceanos.

Um sinal civilizatório seria superarmos, definitivamente, esta situação e investirmos em soluções práticas e baratas, criativas e ambientalmente responsáveis.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 27 de setembro de 2012.