Boate Kiss e o “poder de polícia”

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- janeiro 23, 2014

No próximo dia 27 de janeiro se completa um ano da tragédia da boate Kiss. De lá para cá, pouca coisa aconteceu, acumulando-se o sentimento de frustração que toma conta de todos nós.

 

No Brasil é difícil estabelecer responsabilidades: é da prefeitura de Santa Maria? É do governo gaúcho? Dentro das prefeituras a responsabilidade se dilui entre os vários órgãos responsáveis. Bem como nos estados ou no governo federal. Muita gente tem escrito sobre essa diluição de responsabilidades: de quem cobrar?

 

De fato, no Brasil, pouco foco se dá ao “poder de polícia”, atividade essencial e intrínseca do estado. Há quanto tempo o leitor foi parado na rua ou na estrada para que fossem verificadas as condições de segurança de seu veículo? E se o foi, houve ou não achaque?

 

Caso esteja construindo ou reformando, houve fiscalização com o objetivo de se verificar a lisura do empreendimento?  Apenas a título de esclarecimento, não defendo que o poder público deva ser onipresente, mas assinalo a importância do exercício do poder de polícia para defender o cidadão em relação ao descumprimento de normas que afetam a sua integridade física, saúde e os seus direitos de maneira geral.

 

Exemplifico mais uma vez: carros que não cumprem as condições de segurança são potenciais causadores de desastres com mortes; simples reformas podem causar desabamentos como aqueles ocorridos no centro do Rio de Janeiro em janeiro de 2012; abatedouros de animais com precárias condições de higiene podem comprometer a saúde dos consumidores dessa carne.

 

O Brasil precisa colocar na sua agenda a necessidade de tornar o poder público mais eficiente e menos corrupto no que tange a um verdadeiro exercício de poder de polícia. Isso deve ser feito sem aumento da carga tributária para não onerar ainda mais o contribuinte brasileiro.

 

Certamente, para que isso venha a acontecer, é necessário que os governantes queiram efetivamente desenhar novas políticas e estratégias, empregando o aparato tecnológico que hoje está disponível sem altos custos. Digitalização das informações e disponibilização das mesmas.

 

Este passo é absolutamente estratégico. Lembro das resistências que enfrentei quando fui Secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo em relação à proteção aos mananciais metropolitanos paulistas. Os mapas físicos estavam concentrados em algumas dependências da Secretaria do Meio Ambiente e as consultas “requeriam” meses. A menos que “despachantes” fossem contratados. A digitalização dos mapas exigiu anos, com todo tipo de resistência administrativa possível. Nem sempre transparência é um bom negócio.

 

Não existem soluções de curto prazo. É necessária uma agenda pactuada entre os vários atores do poder público com o objetivo claro de definir quem faz o que, valendo lembrar que muitos itens dessa agenda serão extremamente cobiçados e outros simplesmente ignorados. Os primeiros são aqueles que geram receita ou poder. Os demais geram despesas e desgastes. Não é a toa que nos anos eleitorais se diminui muito as ações de fiscalização.

 

Mas para que essa agenda seja efetiva, há necessidade de que a mesma também seja objeto de pactuação com a sociedade: mídia, setor empresarial e sociedade civil. Obviamente com emprego do que a tecnologia nos oferece hoje.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 23 de janeiro de 2014.