Caso diesel: emblemático para o bem ou para o mal

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- setembro 16, 2013

Esta semana é impossível não tratar do caso diesel. Enfim a imprensa colocou nas páginas principais uma discussão em curso há vários meses, infelizmente restrita aos círculos ambientalistas dentro e fora do governo. Resumindo, a questão é a seguinte: o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) aprovou uma resolução (315/2002) que define a qualidade do diesel a ser comercializado no Brasil a partir 1º de janeiro de 2009, dando às partes envolvidas sete anos para a implementação do disposto.

Controlar poluição de veículos exige basicamente três coisas: qualidade do combustível, tecnologia do automóvel e sua regulagem. Esses três aspectos interagem, sendo que no Brasil avançamos nos dois primeiros e negligenciamos o último, à medida que nunca implantamos o que se chama inspeção e manutenção veicular. Ou seja, assegurar que os motores estejam regulados de forma a operar de modo adequado. Desde 1986 existe um programa que trata do assunto, denominado Proconve (Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores), implantado pelo Conama, que trouxe enormes benefícios para a qualidade do ar que respiramos. Qualquer automóvel novo polui muitas vezes menos que os antigos.

Pessoalmente acompanho o assunto há décadas. A lei que instituiu o Proconve foi proposta por mim em 1988, sendo sancionada em 1993. Parece brincadeira imaginar que depois de duas décadas estejamos discutindo o assunto nos moldes do debate da Conferência de Estocolmo, em 72, quando a delegação brasileira defendeu a idéia de que poluição é sinônimo de progresso.

Os atuais dirigentes da ANP e da Petrobras estão na cartilha antiga. Infelizmente a estatal, sem qualquer pudor e sem maiores explicações, começou a dar sinais de que iria atrasar o cronograma do Proconve. Muitas advertências foram feitas ao governo federal solicitando providências, quer de autoridades governamentais, inclusive do Ministro Minc quando ocupava a pasta ambiental do Rio de Janeiro, quer da sociedade civil organizada. Uma coalizão se formou e com iniciativas inovadoras abriu várias frentes: na Bovespa questionando a qualificação da Petrobras como empresa sustentável; no Conar quanto à publicidade elogiando os feitos ambientais da estatal; perante o Ministério Público em busca de solução judicial. Algumas vitórias já relatadas em artigos anteriores foram importantes como a sustação recomendada pelo Conar em relação ao uso de afirmação nas peças publicitárias de que a Petrobras é ambientalmente responsável. Outras medidas ainda estão pendentes de decisão, a exemplo do processo judicial.

Fato relevante é lembrar que Petrobras é governo, mercado de capitais, orgulho nacional. Péssimo exemplo, portanto, é governo descumprir a lei. Para os acionistas e para a bolsa de valores, constatar que transparência e respeito ambiental nos negócios são conversa fiada. E para o país, ter orgulho de que o pulmão dos brasileiros é muito mais resistente que o dos europeus, dos chineses e até mesmo dos paraguaios (a Petrobras defende que os nossos vizinhos utilizem o diesel 500), uma vez que nestes países se comercializa diesel mais limpo.

A Anfavea e as suas montadoras terão que explicar para seus consumidores porque comercializam veículos em outros países com melhor tecnologia. Aliás, a depender dos acontecimentos, iremos questionar a sua publicidade que afirma que efetivamente estão comprometidas com o planeta, sendo todas elas sustentáveis e empregando o logo do Ibama como determina o Conama.

Correm o risco de ser a bola da vez, ou seja, não aprenderam nada com a polêmica do cigarro, esquecendo que no mundo globalizado não se confinam controvérsias dessa natureza a espaços nacionais. Muitas delas ficaram bem na foto quando as Nações Unidas lançaram o programa Global Compact, mediante o qual essas grandes empresas assumiram compromisso de respeitar o meio ambiente e os direitos humanos. Fico imaginando como irão responder a tribunais que tratam do direito à vida em face da sua negligência ou má-fé diante das mortes de crianças e idosos pela má qualidade do ar de nossas regiões metropolitanas.

Investidores institucionais que hoje possuem peso significativo nas bolsas de valores certamente irão pensar sobre isso quando tiverem que fazer a sua escolha, a exemplo do que fez o maior fundo de pensão do mundo – o CalPERS, dos funcionários públicos da Califórnia, ao questionar as grandes montadoras norte-americanas pela sua resistência em reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Estamos perante um caso de natureza ambiental e de saúde pública que caminha rapidamente para a esfera do mundo dos negócios: gestores de grandes empresas respondendo perante os acionistas pela incapacidade de gerir o ativo mais importante de suas corporações, o ativo reputacional, recentemente regulado pela lei brasileira de Sociedades Anônimas.

A expectativa dessa coalizão de ONGs e governos era de encontrar uma solução que trouxesse benefícios a todos, demonstrando que existem no Brasil lideranças empresariais e governamentais realmente comprometidas com o interesse público. Essa semana e os próximos meses serão decisivos para o deslinde do caso diesel, valendo ressaltar que, qualquer que seja o caminho adotado, estaremos diante de uma situação emblemática. Para o bem ou para o mal.

Publicado no Terra Magazine