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Agenda política do século XXI e a depressão

A morte do ator Robin Williams expõe o grave problema da depressão que nos aflige. A Organização Mundial de Saúde, já faz tempo, tem alertado sobre a necessidade de colocarmos na agenda política este tema tão relevante.

 

Infelizmente muita gente encara a depressão com preconceito, como se ela revelasse uma fragilidade da pessoa que vive intensamente o problema. Hoje já se reconhece que nem as crianças estão isentas desse mal. Recentemente o tema foi abordado em Paraty na FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty por Andrew Solomon, reconhecido escritor americano.

 

Certamente, a depender das circunstâncias, todos estão sujeitos aos altos e baixos da roda gigante que é a vida. Mas temos que pensar se de fato estamos enfrentando adequadamente a questão.

 

Como a depressão nos afeta? Como a desigualdade social torna mais vulnerável pessoas com menos possibilidades de um correto diagnóstico e de escolhas para o seu enfrentamento? Existe uma pré disposição genética à depressão?

 

Todas essas perguntas deveriam estar na agenda do debate político do Brasil, com o objetivo de se estabelecer uma política pública eficaz para podermos lidar com a depressão.

 

Como é sabido, estou coordenando a temática de sustentabilidade e meio ambiente da campanha de Aécio Neves. Quando tomei conhecimento sobre o suicídio de Robin Williams me perguntei se este tema deveria ou não ser contemplado neste campo. Ou eventualmente no que tange à saúde. Pesquisei também os outros programas das outras candidaturas e me convenci de que há uma omissão clara em relação à matéria. A agenda de século XXI tem que tratar a depressão na complexidade que ela exige.

 

A exemplo de outros temas complexos e contemporâneos, estou convicto de que o assunto merece uma atenção da Presidência da República. Por que? Em primeiro lugar, por exigir uma abordagem holística, assegurando com isso que não se torne matéria de domínio exclusivo de um ou dois ministérios. Além disso, é importante que se colete o mais amplo conjunto de informações sobre como o tema tem sido tratado pela ciência no mundo e no Brasil. E quais políticas públicas são mais eficazes para o diagnóstico, prevenção e tratamento da doença nas várias esferas da vida das pessoas.

 

A idéia é que em temas complicados como depressão, resistência a antibióticos, obesidade, entre outros, a Presidência da República crie um painel específico com objetivos bem definidos e processo de consulta pública amplo, de modo que com isso se possa oferecer à sociedade brasileira estratégias claras para o enfrentamento desses problemas.

 

O fato do Presidente colocá-los como uma prioridade sua, claramente indica a importância dos temas, gerando, de um lado, a repercussão necessária na mídia de maneira geral e do outro, mobilizando a sociedade em busca das melhores estratégias e soluções.

 

Com isso, o Brasil moderniza a sua agenda política e dá importância às temáticas que afligem efetivamente os nossos cidadãos. Depressão e obesidade, cada vez mais, estão presentes em nossas vidas. Por sua vez, na medida em que os antibióticos se tornam mais ineficazes em função da resistência das bactérias, os riscos de morrermos de certas doenças se tornam cada dia mais provável.

Falta d’água: não podemos desperdiçar essa crise

O Brasil atualmente vivencia uma grande crise de água: o maior exemplo urbano é a crítica situação de São Paulo. Todos os cidadãos, hoje, acompanham o volume de água do sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento da região metropolitana.

 

Em março deste ano escrevi um artigo publicado neste jornal denominado “Crise de água: democrática e suprapartidária”, cujo objetivo foi expor o gradativo esvaziamento das instituições responsáveis pela gestão de água no Brasil. No entanto, estamos diante de um aumento da consciência da crise de água no mundo, como afirmou o presidente do conselho de administração da Nestlé em recente matéria do Financial Times, Peter Brabeck, “Estamos ficando sem água e isso precisa ser a maior prioridade.”

 

Como explicar essa situação paradoxal: de um lado o aumento da consciência da importância e dos cenários de escassez de água e de outro a anemia programada das instituições governamentais, que são responsáveis pelo seu planejamento e gestão.

 

No caso de São Paulo, certamente a crise pela qual passamos está associada a um episódio radical de pouca chuva. Em conversa com especialistas e gestores dos vários níveis de governo, fica claro que a probabilidade desta seca era muito reduzida, o que nos leva a indagar sobre que lição essa estiagem deve nos deixar.

 

Como não desperdiçar a água e a própria crise?

 

Certamente uma das lições é se incorporar a dimensão climática no planejamento e gestão dos recursos hídricos no Brasil. Explico: não é possível se afirmar com rigor científico que o fenômeno é resultado do aquecimento global. A contrario sensu, não é possível se excluir essa possibilidade, ainda que muitas outras causas contribuam para a crise. A exemplo da supressão da vegetação em grande parte do entorno da região metropolitana paulista, provocando ilhas de calor, modificação do micro-clima, enfim, uma mudança radical das condições ecológicas dessa porção do território.

 

Diante desse quadro, a primeira resposta passa por repensarmos os cenários do planejamento e gestão dos nossos recursos hídricos. Em 2006, o Brasil elaborou o seu primeiro Plano Nacional de Recursos Hídricos, uma iniciativa importante e pioneira, mas que deixou de incorporar o impacto do aquecimento global nessa política.

 

No que se refere ao planejamento paulista, podemos fazer a mesma crítica. As instâncias previstas pela Política Estadual de Recursos Hídricos (1991) também não incorporaram a dimensão climática em sua agenda.

 

A conclusão é inafastável. A mudança do clima está aí e temos que nos preparar para enfrentá-la. É o que, no jargão climático, chamamos de adaptação. Medidas de adaptação, neste caso, objetivam aumentar a “resiliência” das nossas cidades e regiões metropolitanas em termos de futuras estiagens e/ou desastres naturais provocados por chuvas muito intensas em períodos muito curtos.

 

E para que possamos enfrentar o problema é necessário se pactuar novos arranjos institucionais que permitam uma melhor governança dos recursos hídricos no Brasil. Esta deve contemplar obrigatoriamente a gestão das águas subterrâneas, que infelizmente foram deixadas sob a responsabilidade dos estados pela Constituição Federal de 1988.

 

Pior do que a falta d’água é desperdiçarmos a consciência que a população adquiriu. Se não cuidarmos, vai fazer falta.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico no dia 14 de agosto de 2014.

Aspásia Camargo e a “Lei de Responsabilidade Socioambiental”

No próximo domingo se encerra o prazo definido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos para que as prefeituras fechem os seus lixões. Infelizmente, as perspectivas são desanimadoras pelo fato de que muito provavelmente o governo federal irá conceder aos municípios um novo prazo, uma vez que se isto não vier a ocorrer os mesmos perderão acesso a recursos federais.

 

É bom lembrar que a lei que estabeleceu a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi sancionada em agosto de 2010 e levou dezoito anos para ser aprovada no Congresso Nacional. Ou seja, o problema existe há muito tempo, sendo que o Brasil não dá conta de resolvê-lo de maneira adequada.

 

Por muitos anos a grande dificuldade na solução do lixo se devia à indefinição sobre a responsabilidade dos atores sociais. O governo federal entendia que era um assunto muito pequeno para se envolver e os municípios, por sua vez, apontavam a falta de recursos para investir em aterros sanitários. Os estados atuavam basicamente por conta de sua competência em controlar a poluição.

 

Como resultado, grande parte do lixo era destinado a lixões a céu aberto com todos os problemas daí advindos. Contaminação dos lençóis freáticos pelo chorume, infestação de ratos, mau cheiro na vizinhança. Tudo isso convivendo com os catadores, que se utilizavam dos lixões para sobreviver, expondo-se a condições de vida totalmente degradantes.

 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos iniciou um processo de mudança nesse cenário, colocando clareza no modo de resolver o problema e definindo uma hierarquia em relação às várias estratégias de como lidar com a questão. Definiu, de modo inovador na legislação brasileira, a responsabilidade pós-consumo e, com isso, decretou o fim da era em que a “responsabilidade do fabricante” se encerrava com a saída do bem dos portões da fábrica. Esta responsabilidade compartilhada se traduz nos chamados pactos setoriais, pactuados entre o poder público e o setor empresarial.

 

Os desafios da implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos vão além das dificuldades dos municípios. Em relação a estes, é importante se retomar uma idéia proposta há muitos anos pela Deputada Estadual Aspásia Camargo, que sugeriu a criação de uma “Lei de Responsabilidade Socioambiental”, inspirada na Lei de Responsabilidade Fiscal, com o objetivo de se criar mecanismos eficazes para estimular os municípios a implementar boas políticas públicas de sustentabilidade.

 

Com os alicerces advindos de toda a sua trajetória pública, Aspásia diz que “precisamos inovar se quisermos que o Brasil se torne uma referência em sustentabilidade. Conhecemos bem a nossa realidade e precisamos de novos arranjos institucionais para enfrentarmos os grandes passivos ambientais acumulados nos últimos cinqüenta anos”.

 

Em outras palavras, o que Aspásia propõe é que encontremos um arranjo que estimule as prefeituras a melhorar seu desempenho socioambiental com metas e indicadores bem estabelecidos. Com isso, as prefeituras poderiam aumentar as suas parcelas nos vários fundos constitucionais, assegurando financiamento para os seus programas de sustentabilidade.

 

Políticos sérios, com propostas corajosas como essa, existem. Elas precisam ser desenvolvidas e implantadas se quisermos, enfim, dar fim aos lixões e a outras situações degradantes que ainda persistem no Brasil.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 31 de julho de 2014.

Padre Cícero e a defesa da biodiversidade

Na semana passada escrevi sobre a necessidade de uma revolução na gestão das Unidades de Conservação. Bem como sobre a ameaça das chamadas espécies invasoras. Mas alguns leitores comentaram que faltou clareza no artigo sobre os dois assuntos. Hoje vou tentar elucidar a matéria.

 

Biodiversidade é um conceito que poderia ser traduzido simplesmente por “vida”. É o significado da palavra, que surgiu na década de 80. De lá para cá, ela se disseminou e hoje está incorporada ao vocabulário de todos: cientistas, empresários, ONGs e mídia.

 

A definição da biodiversidade, hoje, em termos legais, é aquela que foi dada pela Convenção da Diversidade Biológica, aprovada na Rio 92. A Constituição brasileira de 88, por sua vez, usa a expressão “diversidade genética” em seu artigo 225. Desde 92, o conhecimento científico sobre biodiversidade aumentou exponencialmente. Alguns relatórios mundiais se transformaram em marcos importantes sobre o assunto. E novas “idéias sínteses” surgiram, a exemplo de serviços ecossistêmicos.

 

Embora contidos nessas “idéias sínteses”, muitos conceitos têm sido praticados pela Humanidade há muitos anos. No Brasil celebrou-se, no domingo passado, uma missa pelos 80 anos da morte do Padre Cícero. Muito tempo antes do surgimento do movimento ambientalista e da consagração da biodiversidade, aquele grande líder religioso elaborou o que hoje chamamos de Decálogo da Ecologia.

 

De acordo com o livro Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão, de Lira Neto, com o crescimento da população de Juazeiro, Padre Cícero promoveu uma distribuição de terras públicas para aqueles que não possuíam maior qualificação. E para evitar a degradação ambiental das mesmas, orientava os lavradores a cuidarem bem de suas terras. Entre as orientações, encontram-se “Não derrubem o mato nem mesmo um só pé de pau”; “Não toquem fogo no roçado nem na caatinga”; “Não cacem mais e deixem os bichos viverem.”; “Não plantem em serra acima nem façam roçado em ladeira muito em pé”; “Deixem o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza.”.

 

Mas além da necessidade de boas práticas de sustentabilidade, uma das estratégias é a criação de Unidades de Conservação. No Brasil, temos uma legislação federal que trata do assunto e define as várias categorias de UCs. E o que o artigo da semana passada assinalou é a necessidade de encontrarmos o melhor modo de promover a gestão das mesmas.

 

Existe ainda a necessidade de se proteger determinadas espécies ameaçadas pela caça e pesca predatória. Neste domingo, o Fantástico fez uma matéria sobre a pesca predatória da Piracatinga, espécie importante de peixe amazônico, hoje exportado como iguaria para a Colômbia. Como iscas são utilizados os botos-cor-de-rosa, e com isso se realiza uma matança cruel em plena “era de consciência ambiental”…

 

Felizmente, neste caso, a Ministra Izabella Teixeira conseguiu uma medida importante proibindo a pesca da Piracatinga, vencendo a resistência oferecida pelo Ministério da Pesca. Uma vitória importante para se preservar a nossa biodiversidade e respeitar os direitos dos animais.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 24 de julho de 2014.

Unidades de Conservação: a revolução que precisamos

Como é sabido, o Brasil é um dos grandes países megabiodiversos do planeta. Ou seja, somos detentores de uma enorme riqueza fundamental para as nossas vidas. Até aí, nenhuma novidade. O patamar de conhecimento sobre a importância da biodiversidade é grande, especialmente após a elaboração da Convenção da Biodiversidade em 1992.

 

Infelizmente o mundo continua a assistir a perda desse patrimônio por várias razões: perda dos habitats, espécies invasoras, aquecimento global, comércio ilegal de fauna silvestre. Sobre esse último, o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – recentemente lançou um relatório mostrando que estamos diante de um mercado de bilhões de dólares, associado a outras atividades ilícitas como o tráfico de drogas. O elefante hoje é o símbolo máximo dessa barbárie. Em 2013 foram caçados ilegalmente 20 mil indivíduos por conta do marfim.

 

Em relação às espécies invasoras, recentemente alguém me perguntou com certa ironia se seriam as mesmas marcianos invadindo a Terra no estilo do Orson Welles. Apenas a título de ilustração, Orson foi um dos maiores símbolos do cinema no século passado e ao fazer um programa de rádio sobre uma suposta invasão de marcianos gerou pânico nos EUA.

 

Espécies invasoras são aquelas que invadem ecossistemas e biomas, provocando grandes alterações nestes últimos. Com prejuízos gigantescos para muitas atividades econômicas, entre as quais vale ressaltar a agricultura e a geração de energia. Em relação à primeira, me lembrou o ex-ministro Roberto Rodrigues, em um debate recente, o caso da lagarta helicoverpa armigera, que hoje avança sobre a soja e o algodão em muitos estados brasileiros. No caso da energia, vale lembrar o exemplo do mexilhão dourado, que entrou no Brasil pela bacia do prata e que hoje compromete a geração de energia em várias hidrelétricas brasileiras, aumentando a nossa conta de luz.

 

Moral da história: ou o Brasil enfrenta com seriedade esse desafio ou sofreremos cada vez mais prejuízos.

 

Um dos grandes desafios da conservação da biodiversidade brasileira está na gestão das Unidades de Conservação (UCs). Estas estão divididas em várias categorias de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e se confrontam com uma incontestável precariedade em sua gestão. O primeiro parque nacional criado em 1937 – o de Itatiaia, ainda tem a sua regularização fundiária pendente. Setenta e sete anos não foram suficientes para resolver o problema.

 

O Brasil precisa de uma revolução na gestão de suas Unidades de Conservação. Uma mudança radical de mentalidade que permita que estas sejam tratadas como ativos estratégicos para o desenvolvimento das regiões onde se encontram.

 

Hoje as UCs são vistas como empecilhos intransponíveis por muitos prefeitos, governadores, proprietários e comunidades que vivem no seu entorno. E pela falta de infraestrutura básica se transformaram em alvo fácil para caçadores, invasores e especuladores imobiliários.

 

Mas vejo uma luz no fim do túnel. Em conversa com os dirigentes do Instituto Semeia, Pedro e Guilherme Passos e Ana Luísa Da Riva, ficou evidenciado que se formos capazes de radicalizar um novo modelo de gestão das UCs brasileiras poderemos conservá-las para as futuras gerações e torná-las um importante ativo de desenvolvimento do Brasil.  Nas palavras de Pedro, “é a revolução que precisamos”.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 17 de julho de 2014.

O cuidado com os animais e as eleições de outubro

Um tema em crescimento no Brasil e no mundo diz respeito aos direitos dos animais.

 

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trata do assunto. Isto se deve fundamentalmente à discussão que a Farra do Boi, realizada em Santa Catarina durante aquele período, gerou. Vale lembrar que ela consistia na liberação de touros pelas ruas de alguns municípios catarinenses, sendo que os mesmos eram caçados e sofriam práticas cruéis até serem efetivamente mortos.

 

A Farra do Boi foi proibida por decisão judicial há alguns anos. Um projeto de lei de minha autoria que a proibia foi aprovado na Câmara dos Deputados e, posteriormente, rejeitado no Senado por influência da bancada catarinense. Esta entendia que a Farra do Boi era uma manifestação cultural legítima e, portanto, não haveria razão para proibí-la.

 

Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem visto um avanço muito grande dessa discussão, sendo que vários parlamentares foram eleitos com a bandeira dos animais. O poder público, em várias cidades e estados, tem criado programas que permitem aos cidadãos terem acesso a serviços públicos de saúde animal. A exemplo de hospitais de animais domésticos.

 

Recentemente fui questionado acerca da legitimidade desse tipo de investimento público: se o sistema de saúde do Brasil é tão precário, como aceitar gastos em hospitais para cães e gatos?  Se alguém decide, por livre escolha, possuir um animal doméstico, por que não ser de sua inteira responsabilidade os cuidados com o seu “bichinho”?

 

Essa questão lembra o raciocínio de que não deveríamos investir na defesa das baleias, uma vez não resolvido o problema de crianças nas ruas, como uma escritora famosa defendeu em uma revista de grande circulação há alguns anos.

 

Em primeiro lugar, é importante se lembrar a questão ética: os animais têm o direito a serem tratados com dignidade. Nada mais, nada menos. Mas a questão vai além. Os animais domésticos exercem um papel muito relevante em nossas vidas. São companheiros, ajudam a educar nossos filhos, dão carinho e trazem alegria. Ou seja, “prestam serviços” de difícil valoração econômica.

 

Hoje existe uma indústria bilionária dedicada aos “pets”. Esta cadeia gera empregos, renda e tributos. Consiste, entre outros, na fabricação de ração e produtos veterinários, no varejo representado por grandes e pequenas empresas. Além de uma enorme variedade de serviços que vão desde a tosa e banho, até hotéis, andadores e muitos outros.

 

E se não fosse apenas por uma questão ética, estamos diante de um setor importante da economia, que ao gerar postos de trabalho e tributos, justifica gastos públicos em termos de assistência aos animais.

 

Por essa razão, defendo que nas campanhas eleitorais deste ano esse tema seja colocado como um elemento importante da agenda política do país. Especialmente para os eleitores que compreendem a relevância de políticas públicas que explicitem o que deve ser feito em favor dos animais. Desde a edição de legislação que defina os direitos e deveres dos donos dos bichos domésticos. Regras sobre o transporte e abate dos animais destinados ao consumo. E até mesmo programas que tratem dos cuidados com os animais domésticos e silvestres.

 

Esta é uma agenda do século XXI.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 10 de julho de 2014.

Aquecimento global, obesidade e resistência aos antibióticos: temas de campanha eleitoral

Existe claramente um desquite entre políticos e a sociedade. Até aí, nada de novo. As manifestações de junho de 2013 demonstraram que esta última quer mudanças. Mas um dos grandes desafios dos políticos diz respeito ao conteúdo da sua agenda: quais são os temas que devem compor a agenda política do Brasil e do mundo de hoje?

 

Caso se adote as pesquisas eleitorais como guia único, certamente estaremos falando apenas da dimensão eleitoral da política. E se não corrigirmos o rumo, estaremos cada vez mais presos nessa armadilha.

 

O desafio reside em se trabalhar a política no que ela possui de mais interessante e desafiador: o seu poder de transformação. Esta tarefa não é simples porque a demanda pelo conteúdo não está explícita. Nos temas ambientais é difícil demonstrar a urgência que deve governar as decisões. O caso das mudanças climáticas é o melhor exemplo dessa dificuldade, embora a ciência demonstre que o custo de não se fazer nada irá impor um grande ônus a todos nós.

 

Na semana passada um grande alerta foi dado pelo ex-secretário do tesouro norte americano Henry Paulson, no artigo “The Coming Climate Crash – Lessons for Climate Change in the 2008 Recession” publicado no The New York Times. E mais do que o artigo, a projeto “Risky Business” divulgou o estudo “Risky Business – The Economic Risks of Climate Change in the United States”, que demonstra os grandes impactos do aquecimento global nos EUA. Abordando aspectos conhecidos da mudança do clima como a elevação do nível do mar nas cidades costeiras, ondas de calor e até mesmo uma previsão de aumento da violência nas cidades norte americanas.

 

O surpreendente é que Henry Paulson é um dos expoentes do partido republicano no qual se encontra a grande resistência do Congresso americano à adoção de políticas de enfrentamento do assunto.

 

No Brasil o aquecimento global não tem sido considerado até aqui um tema relevante na agenda política do país. Ainda que alguns possam dizer que temos uma legislação sobre o assunto com metas voluntárias a nível federal, assim como iniciativas similares em alguns estados e municípios.

 

Mas a omissão não se restringe ao aquecimento global. Dois outros temas merecem estar no centro das nossas preocupações políticas.

 

Um deles é o crescimento alarmante da obesidade no país. O que exige uma política pública agressiva que vai ter que discutir desde hábitos alimentares, publicidade infantil e até mesmo a quantidade de açúcar e sódio nos alimentos industrializados. E para aqueles que acreditam que o assunto se insere única e exclusivamente na discricionariedade das pessoas sobre o que comer, vale lembrar que em última instância a conta ficará para o Sistema Único de Saúde.

 

Outro tema emergente diz respeito à resistência oferecida por muitas doenças aos antibióticos hoje existentes. Infelizmente o uso exagerado na agricultura e para fins medicinais criou uma resistência, exigindo políticas firmes para lidar com a questão. No Brasil, já existe registro de super bactérias resistentes aos antibióticos tradicionais, segundo matéria publicada no O Globo, “Prova Global de Resistência” (30/6/14), sem que exista uma estratégia clara para enfrentar o problema.

 

Enfim, a nossa agenda política deve se modernizar de modo a permitir que temas relevantes, ainda que sem expressão nas pesquisas eleitorais, possam ser devidamente contemplados. É o caso do aquecimento global, da obesidade e da resistência aos antibióticos.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 3 de julho de 2014.

Cavernas brasileiras condenadas à destruição

Há poucas semanas escrevi sobre o descuido com que o patrimônio espeleológico brasileiro tem sido tratado. Sem ao menos conhecê-lo, nossas cavernas tem sido sistematicamente destruídas, representando uma perda inestimável em termos da vida que nela existe, além do patrimônio cultural. Este pode nos ajudar a decifrar a nossa origem, a exemplo de descobertas em uma caverna na Espanha que nos revelou a proximidade com os neandertais.

 

No artigo “A responsabilidade do TCU na proteção das cavernas brasileiras” apontei a importância de engajar este órgão na fiscalização do patrimônio representado pela nossa biodiversidade. Entendendo, desse modo, que a abordagem contemporânea de patrimônio deve contemplar uma visão sintonizada com as demandas do século XXI, na esteira de iniciativas já realizadas por vários Ministros daquele órgão, como Aroldo Cedraz e André Carvalho.

 

O resultado do trabalho do Tribunal de Contas merece aplausos e alguns comentários. A começar por uma crítica relativa à compreensão adotada pelo órgão de que é possível delegar aos estados a decisão sobre a destruição ou não das cavernas. Explico: de fato, hoje, o licenciamento ambiental, na maioria das vezes, é de competência dos estados. Entretanto, não concordo que isso autorize estes a darem a palavra final sobre quais cavernas podem ou não ser destruídas. Até mesmo porque poucas agências estaduais têm em seus quadros gente especializada para fazer essa avaliação.

 

Continuo insistindo: por analogia, esta prática significaria delegar aos órgãos estaduais a palavra final sobre prédios públicos do governo federal, com a agravante de que a avaliação dos mesmos seria de responsabilidade das empresas que pretendem dispor dos terrenos onde os mesmos estão situados.

 

Mas o Tribunal de Contas fez constatações absolutamente relevantes. De acordo com acórdão, o Brasil apresenta potencialidade de ocorrência de 300 mil cavernas, mas apenas 12 mil encontram-se cadastradas no CECAV (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas). E este tem sido dotado de recursos absolutamente insuficientes para exercer as suas funções: nos últimos anos a média anual de recursos é da ordem de R$ 100.000,00. Ou seja, cerca de R$ 8.000,00 por mês. Desses valores, o total destinado para conservação e manejo do patrimônio espeleológico no ano de 2010 corresponde a R$ 455,00. Ou seja, R$ 38,00 por mês.

 

Quantos cafezinhos podem ser comprados com esse valor?

 

Mas existem outras informações levantadas pelo TCU absolutamente assustadoras. O CECAV conta com vinte e três servidores efetivos e quatro terceirizados. Mais uma vez fica evidente que o governo federal abriu mão da sua responsabilidade constitucional de proteger as nossas cavernas.

 

Diante desse quadro de indigência absoluta da proteção do patrimônio espeleológico brasileiro, há que se elogiar uma iniciativa do deputado ambientalista José Sarney Filho, responsável por colocar o TCU nessa questão. Nas suas palavras, “O Brasil ainda não despertou para a importância das nossas cavernas.” A biodiversidade subterrânea tem um valor intrínseco, como reconhece a Constituição Federal de 1988. E mais do que isso, pode trazer muitas possibilidades em termos de novos medicamentos, e mesmo inspirar o setor empresarial a inovações decorrentes desse novo conceito de biomimética.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 26 de junho de 2014.

Copa do Mundo: torcer pelo Brasil

Hoje o Brasil joga com a Croácia.

 

Com isso, enfim, se inicia a Copa do Mundo. Nos próximos dias teremos muitas emoções com os jogos e com toda a discussão sobre o evento. Quanto custou e qual o seu legado, mesmo sabendo que em relação a esse último, o Brasil foi mal.

 

Sobra, entretanto, a pergunta: por que fomos tão mal? O que realmente aconteceu para que as obras de mobilidade não fossem realizadas como prometido e para que outras tantas promessas também não fossem cumpridas? O Brasil tem que discutir as dificuldades gerenciais de execução de obras e por que os orçamentos são sempre superados tantas vezes.

 

A primeira grande Copa transmitida ao vivo pela televisão foi a de 1970. Nesses quarenta anos o mundo mudou, como vemos pelos países participantes. A Croácia fazia parte da Iugoslávia naquele ano e tínhamos duas Alemanhas. Muitos países surgiram desde então e a democracia se espalhou pelo mundo. Basta ver a América Latina, que à época era dominada pelas ditaduras. Aliás, hoje está praticamente provado que a Argentina ganhou a Copa de 1978 no “tapetão”. Afinal, era importante para os ditadores aumentar a auto-estima dos argentinos. O então presidente Jorge Rafael Videla morreu no ano passado na prisão.

 

O mundo do futebol também mudou. Alguns grandes times se transformaram em “empresas lucrativas” e os craques mais importantes em “empresas bem sucedidas”. A “lealdade” aos times é coisa do passado. Para o bem e para o mal.

 

Há alguns anos fui ao Marrocos e fiquei surpreso com o fato de que todos conheciam os jogadores brasileiros. E falavam sobre eles com grande intimidade.

 

Muitos brasileiros estão de mau humor com o Brasil. Mas isso não vai impedir que na hora H todos torçam pela Seleção. E é bom que tenhamos um momento de descontração. Afinal, ninguém é de ferro.

 

Encerrada a Copa do Mundo, o Brasil estará se preparando para as eleições de outubro. Sem dúvida nenhuma estas serão as mais disputadas dos últimos vinte anos. FHC e Lula se reelegeram com certa facilidade. O primeiro ainda no primeiro turno e Lula no segundo turno com vantagem expressiva.

 

Este ano os desafios do Brasil estão mais evidentes. Quem for eleito enfrentará um cenário muito difícil. A economia vai mal com a volta da inflação. As cidades brasileiras estão com uma péssima qualidade de vida pelos equívocos praticados por uma visão de curto prazo. O transporte público mal valorizado. E grandes incentivos ao automóvel.

 

O presidente eleito deve aproveitar o capital político das eleições para promover as reformas necessárias. Reforma Política e Reforma Tributária são interdependentes. Ambas devem definir como financiar as atividades governamentais dos entes da Federação. Com uma visão contemporânea.

 

Para mim um bom exemplo seria repensar o IPVA. Tributo sobre a propriedade não permite que o poder público possa utilizá-lo de maneira inteligente. Deveríamos pensar na taxação sobre o uso do automóvel, o que permitiria, inclusive, a utilização da idéia do pedágio urbano.

 

Enfim, vamos discutir a agenda brasileira. O que temos que fazer para melhorar a vida dos brasileiros. Em suma, torcer pelo Brasil.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 12 de junho de 2014.

Dia mundial do meio ambiente: hora de repensar a agenda

5 de junho é o dia mundial do meio ambiente.

 

Esta data foi escolhida em 1972 na primeira grande Conferencia das Nações Unidas, denominada o Homem e a Biosfera, realizada em Estocolmo. A idéia de se celebrar a data foi para chamar atenção para os problemas ambientais, no que pode se dizer que se alcançou grande sucesso. Nos últimos quarentas anos, nessa semana, no mundo inteiro se organizam debates, plantios de árvores, protestos. Enfim, a agenda ambiental assume destaque através de eventos e da cobertura da mídia.

 

É inegável que nas últimas décadas o tema ambiental foi apropriado pela sociedade e está colocado como um dos mais estratégicos para a Humanidade. Em 1992 se realizou a Conferência do Rio, na qual foi legitimada a idéia do Desenvolvimento Sustentável. Em 2002 e 2012, duas outras conferências ocorreram na África do Sul e no Brasil com resultados discutíveis em termos de compromissos mais efetivos a serem assumidos pela comunidade internacional.

 

É importante se assinalar que o conhecimento científico relacionado aos impactos que a Humanidade produz no planeta legitimou a idéia de que vivemos uma nova era geológica denominada Antropoceno. Em linguagem simples, a Humanidade teria adquirido uma força geológica em termos de alteração das condições do planeta. E não apenas no que tange à mudança do clima, perda de biodiversidade, diminuição da camada ozônio, entre outras. Mais recentemente, a comunidade científica constatou também um processo grave de acidificação dos oceanos, com enormes conseqüências na biodiversidade marinha.

 

No Brasil, avançamos muito na discussão da agenda ambiental. A começar pela Constituição Federal de 1988, que introduziu essa agenda no mundo jurídico e da política. Na esfera governamental, foi criado o Ministério do Meio Ambiente em 1992 e os estados e municípios também criaram instituições similares. O setor empresarial, por sua vez, no Brasil e no mundo, incorporou o tema da sustentabilidade com maior ou menor efetividade.

 

Chegamos a um ponto em que há necessidade de se repensar e reinventar a arquitetura institucional que trata dessas temáticas. Em 2012, infelizmente, a comunidade internacional perdeu a oportunidade de repensar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado em 1972 e que, desde então, vem exercendo um papel subsidiário na agenda mundial, em que pese o esforço de seus líderes como Achim Steiner e Klaus Toepfer. Está cada vez mais presente a necessidade de se trabalhar com enfoque holístico nas temáticas ambientais, bem como torná-las presentes nas políticas macroeconômicas.

 

No Brasil vivemos o mesmo desafio. O de repensar o que tem sido feito até aqui. E o de promover uma nova agenda na qual o chamado comando e controle seja complementado por um repertório de instrumentos econômicos. Reforma tributária ambiental, pagamento por serviços ambientais, eliminação de subsídios perversos.

 

Como tem dito a Ministra Izabella Teixeira, é necessário se pensar “em um futuro onde a escolha pela sustentabilidade esteja alicerçada em bases econômicas robustas”. Caso contrário, continuaremos dando murro em ponta de faca, assistindo a um processo irreversível de degradação ambiental.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 5 de junho de 2014.