Cavernas brasileiras condenadas à destruição

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- junho 26, 2014

Há poucas semanas escrevi sobre o descuido com que o patrimônio espeleológico brasileiro tem sido tratado. Sem ao menos conhecê-lo, nossas cavernas tem sido sistematicamente destruídas, representando uma perda inestimável em termos da vida que nela existe, além do patrimônio cultural. Este pode nos ajudar a decifrar a nossa origem, a exemplo de descobertas em uma caverna na Espanha que nos revelou a proximidade com os neandertais.

 

No artigo “A responsabilidade do TCU na proteção das cavernas brasileiras” apontei a importância de engajar este órgão na fiscalização do patrimônio representado pela nossa biodiversidade. Entendendo, desse modo, que a abordagem contemporânea de patrimônio deve contemplar uma visão sintonizada com as demandas do século XXI, na esteira de iniciativas já realizadas por vários Ministros daquele órgão, como Aroldo Cedraz e André Carvalho.

 

O resultado do trabalho do Tribunal de Contas merece aplausos e alguns comentários. A começar por uma crítica relativa à compreensão adotada pelo órgão de que é possível delegar aos estados a decisão sobre a destruição ou não das cavernas. Explico: de fato, hoje, o licenciamento ambiental, na maioria das vezes, é de competência dos estados. Entretanto, não concordo que isso autorize estes a darem a palavra final sobre quais cavernas podem ou não ser destruídas. Até mesmo porque poucas agências estaduais têm em seus quadros gente especializada para fazer essa avaliação.

 

Continuo insistindo: por analogia, esta prática significaria delegar aos órgãos estaduais a palavra final sobre prédios públicos do governo federal, com a agravante de que a avaliação dos mesmos seria de responsabilidade das empresas que pretendem dispor dos terrenos onde os mesmos estão situados.

 

Mas o Tribunal de Contas fez constatações absolutamente relevantes. De acordo com acórdão, o Brasil apresenta potencialidade de ocorrência de 300 mil cavernas, mas apenas 12 mil encontram-se cadastradas no CECAV (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas). E este tem sido dotado de recursos absolutamente insuficientes para exercer as suas funções: nos últimos anos a média anual de recursos é da ordem de R$ 100.000,00. Ou seja, cerca de R$ 8.000,00 por mês. Desses valores, o total destinado para conservação e manejo do patrimônio espeleológico no ano de 2010 corresponde a R$ 455,00. Ou seja, R$ 38,00 por mês.

 

Quantos cafezinhos podem ser comprados com esse valor?

 

Mas existem outras informações levantadas pelo TCU absolutamente assustadoras. O CECAV conta com vinte e três servidores efetivos e quatro terceirizados. Mais uma vez fica evidente que o governo federal abriu mão da sua responsabilidade constitucional de proteger as nossas cavernas.

 

Diante desse quadro de indigência absoluta da proteção do patrimônio espeleológico brasileiro, há que se elogiar uma iniciativa do deputado ambientalista José Sarney Filho, responsável por colocar o TCU nessa questão. Nas suas palavras, “O Brasil ainda não despertou para a importância das nossas cavernas.” A biodiversidade subterrânea tem um valor intrínseco, como reconhece a Constituição Federal de 1988. E mais do que isso, pode trazer muitas possibilidades em termos de novos medicamentos, e mesmo inspirar o setor empresarial a inovações decorrentes desse novo conceito de biomimética.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 26 de junho de 2014.