Decisões de longo prazo na democracia contemporânea

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- outubro 24, 2013

Na semana passada, tratei nesta coluna dos retrocessos em curso em São Paulo no que tange à poluição do ar e mitigação de vulnerabilidades relativas a desastres naturais, que podem afetar a população assentada próxima a corpos d´água.

No primeiro caso, simplesmente está se ignorando o que a ciência tem reiterado sistematicamente sobre os impactos da poluição sobre a saúde, com o objetivo de se atender à “demanda eleitoral” dos proprietários de automóveis. Estes se insurgem contra o pagamento de uma taxa equivalente a R$ 0,12 por dia e contra o gasto de duas horas por ano para que a verificação da regulagem de seus automóveis seja realizada.

No segundo caso, mencionamos a renúncia do poder público da implantação do Parque Municipal da Brasilândia, cuja motivação original foi a de estabelecer uma medida de proteção à população daquela região em face a eventuais enchentes previstas nos próximos anos no local. Estas últimas são previsíveis em função do aumento e intensidade de chuvas em São Paulo por força da mudança do clima. Vale lembrar também que a oferta de espaços de lazer traz melhor qualidade de vida a todos.

Nas duas situações acima descritas se encontra uma das grandes dificuldades do mundo contemporâneo: a consideração do médio e longo prazo na tomada de decisão.

Como explicar a um cidadão, proprietário de automóvel, que ele e sua família também serão prejudicados pela poluição por ele provocada?

Com certeza o agravo à saúde é portador de um tempo de manifestação que vai muito além do momento em que este cidadão toma a decisão eleitoral de contestação a programas de controle de poluição ou a quaisquer outros dessa natureza. Esta lógica também se aplica ao Parque, revelando que devemos repensar a arquitetura das democracias contemporâneas, com o objetivo de permitir que a dimensão do médio e longo prazo seja internalizada.

Recentemente, foi divulgado um relatório que trata exatamente dessa questão, intitulado “Now for the Long Term – The Report of the Oxford Martin Comission for Future Generations”, com a presidência do ex-diretor geral da OMC – Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy e com a participação, dentre outras, do ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil, Luiz Felipe Lampreia.

Em seu sumário executivo, é assinalado que a Comissão focou “no aumento da visão de curto prazo da política contemporânea e na inabilidade coletiva de se quebrar esta situação que impede que os grandes desafios sejam enfrentados”.

A Comissão identificou a existência de mega tendências e definiu cinco princípios no que chamou de uma agenda de longo prazo, que incluem “coalizões criativas, repensar instituições, revalorizar o futuro, investimentos nas novas gerações e estabelecimento de uma plataforma comum de entendimento”.

Apenas a título de exemplo, vários caminhos são propostos, entre os quais, pensar em décadas e não em dias, avaliar os negócios a longo prazo e investir nas novas gerações em termos de inclusão social.

Enfim, trata-se de um relatório longo que deve ser lido com o propósito de pensarmos em como podemos aproveitá-lo para aprimorar este debate no Brasil. E com isso melhorar a qualidade da nossa democracia, fazendo com que ela seja capaz de refletir o longo prazo: isso é ou não é desenvolvimento sustentável?

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 24 de outubro de 2013.