Diesel no Brasil

Cases | Consultoria

- março 18, 2013

Cidade do México, Los Angeles, Tóquio e São Paulo estão entre as cidades com maiores índices de poluição atmosférica no mundo. São Paulo, dentre todas as metrópoles mundiais, tem o quinto ar mais poluído, sendo que, hoje, os automóveis são responsáveis por 90% das emissões de poluentes da cidade.

Em março de 2011, a União Europeia declarou que pretende banir os carros movidos a diesel e a gasolina até 2050. O objetivo é reduzir as emissões de gases de efeito estufa e diminuir a dependência de combustíveis fósseis.

No âmbito nacional, um estudo feito pelo Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP demonstrou, em estimativas conservadoras, que as partículas atmosféricas emitidas por motores diesel estão associadas à mortalidade prematura de 6.100 brasileiros por ano nas capitais avaliadas (São Paulo, Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte).

Apenas em São Paulo, 3 mil pessoas morrem todos os anos em razão dos malefícios relacionados ao material particulado fino, emitido principalmente pela queima do diesel com elevado teor de enxofre.

Dentro desse contexto, teve início uma ampla articulação e mobilização da sociedade civil organizada (ONGs de diversos setores e especialistas em combustível, emissões veiculares e poluição atmosférica) e dos governos estaduais e municipais, com orientação de Fabio Feldmann, pela defesa de um ar saudável nas grandes cidades do Brasil.

O motivo de tal articulação foi o risco iminente de descumprimento da Resolução nº 315/2002 do Conama, que estabelecia a obrigatoriedade de um combustível de melhor qualidade, com teor de enxofre de 50 ppm (partículas por milhão), em vez de 500 ppm, a ser ofertado a partir de 1º de janeiro de 2009 – a etapa P-6 do Proconve.

Objetivo era fazer com que cada uma das partes envolvidas no processo de implementação da etapa P-6 cumprisse suas obrigações na forma e nos prazos estabelecidos.

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) deveria exigir o cumprimento da Resolução Conama nº 315/2002 e fiscalizar a produção e distribuição adequadas do diesel S500, para abastecimento nacional de veículos pesados.

A Petrobras deveria realizar os investimentos necessários para produção e distribuição do diesel S50 ppm para a frota de veículos pesados (caminhões e ônibus) de todo o país a partir de 1º de janeiro de 2009, devendo o combustível de referência para testes e desenvolvimento de motores ser fornecido com 36 meses de antecedência.

O que se viu, no entanto, foi um jogo de empurra-empurra.

A Petrobras alegou que não produziu o combustível diesel necessário porque a ANP não havia regulamentado as especificações. Também afirmou que não haveria demanda para o consumo deste, pois os fabricantes não teriam desenvolvido ônibus e caminhões adequados. Os fabricantes de veículos e motores alegaram que não desenvolveram a tecnologia necessária por falta de combustível.

Articulada a Coalizão, passou-se a questionar os principais fatos que levaram ao descumprimento da norma.

OEA

Em maio de 2009, a Coalizão levou a questão à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), na qual ainda espera-se que o Brasil, principal acionista da Petrobras, seja obrigado a se manifestar. O caso representa uma violação aos direitos humanos no quesito do direito à vida e à saúde, por conta da poluição provocada pelo diesel com elevado teor de enxofre.

A inovação na tese defendida à CIDH reside no argumento de que os Estados-partes signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecido por Pacto de São Jose da Costa Rica, também devem ser responsáveis pelos atos de omissão de seus agentes, empresas e órgãos.

No caso, advoga-se a tese de que a Petrobras não fez todos os esforços necessários para a fabricação em quantidade suficiente do diesel S50 para atender à frota de caminhões e ônibus e para distribuição em todo o território nacional. Argumenta-se também que a ANP, por sua vez, foi omissa no desempenho de suas funções enquanto agente regulador. E ambas as condutas omissas representariam uma omissão da própria República Federativa do Brasil, já que é um Estado signatário da Convenção e a quem se vinculam Petrobras e ANP.

Outro aspecto importante é o esforço da questão em relacionar a violação dos direitos humanos ao direito a um meio ambiente equilibrado – aspectos que merecem um tratamento conjunto.

SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL

O caso do diesel brasileiro é emblemático na discussão sobre sustentabilidade empresarial. Se esta não é incorporada ao modelo de negócio, não basta ela dizer que a empresa é sustentável: torna-se claro que estamos diante de um caso de green washing (maquiagem verde). No caso do diesel da Petrobras, não há justificativa para que uma das maiores empresas de petróleo do mundo deixe de colocar no mercado um produto de qualidade, especialmente quando se trata da saúde da população brasileira que vive nos grandes centros urbanos. Por essa razão, a Petrobras foi questionada perante uma série de instituições, permitindo também que a opinião pública constate quais empresas realmente levam a sustentabilidade a sério. O que está em jogo é o futuro da sustentabilidade no mundo dos negócios.

CONAR

Em outubro de 2007, uma denúncia contra a Petrobras foi apresentada ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), tendo em vista que uma série de campanhas publicitárias impressas e televisivas da empresa propagava o seu forte compromisso com a sustentabilidade, enganando parte da população.

Sabe-se que a Petrobras mantém louváveis iniciativas de filantropia e responsabilidade social em setores como o desportivo, ambiental, cultural e de segurança alimentar, mas estas são paralelas à sua atuação, pois pouco ou nada se relacionam ao seu core business.

Já no que se refere à adoção de práticas que realmente gerem transformações em seu negócio, a empresa se revela muito reticente, ao contrário do que sua maciça propaganda procurava demonstrar – como ocorreu no caso do diesel.

O cumprimento legal de suas obrigações seria o mínimo necessário para a empresa se dizer sustentável. Porém, com práticas contrárias à lei, isso seria impossível.

Nesse sentido, em abril de 2008, o Conselho de Ética do Conar acabou recomendando suspender a veiculação dos anúncios em que a Petrobras afirmava seu compromisso com a qualidade ambiental.

ISE

Ainda em 2007, a Coalizão enviou aos membros do Conselho Deliberativo do Índice de Sustentabilidade Empresarial da BMF&Bovespa (ISE) um ofício solicitando que a Petrobras não fosse incluída na carteira de 2008 do referido Índice, já que em seus bens e serviços ela não incorporou padrões ambientais necessários para salvaguardar a saúde da população e do meio ambiente.

Covalence

Outra importante ação da Coalizão foi desenvolvida junto à Covalence, sediada em Genebra. A entidade monitora, avalia e dispõe em um ranking a reputação ética de 581 grandes empresas de 18 segmentos, incluindo o de óleo e gás, com o objetivo de informar investidores e outros agentes de mercado. Da mesma forma como existem índices para classificar o risco-país, o ranking desenvolvido pela Covalence pretende ser uma classificação social das empresas.

O dossiê informativo, enviado pela Coalizão em abril de 2009 para a Covalence, repercutiu no ranking de 2010: se antes a Petrobras era a líder no segmento de óleo e gás, a empresa passou a figurar em quarto lugar. Em defesa, a Petrobras alegou que se tratava de uma ação de cunho político, cujo objetivo era propagar falsa informação, podendo causar danos à imagem da companhia. Alegou também que é questionável a afirmação de que o teor de enxofre no diesel é responsável por doenças respiratórias no país.

Em declaração ao jornal Valor Econômico, a Covalence confirmou que a alteração na classificação da Petrobras foi influenciada pela contestação pública à reputação ética da empresa.

Fazendo um balanço

O principal objetivo da Coalizão – o pleno cumprimento da Resolução Conama nº 315/2002 – não foi alcançado, e ainda estamos longe do momento em que a luta pelo ar limpo será considerada uma página virada do movimento ambientalista. Entretanto, as vitórias obtidas foram e são muito representativas:

1) A experiência bem-sucedida de uma ampla articulação entre governos, entidades da sociedade civil organizada e lideranças, na exigência do cumprimento da legislação sobre um dos mais importantes programas de controle da poluição: o Proconve;

2) A legitimidade do Conama para estabelecer normas para controle da poluição veicular, tendo do outro lado empresas dos setores mais ricos da economia (indústria de óleo e gás e montadoras de veículos) e até mesmo o próprio governo, por meio de sua agência reguladora (ANP). Em disputa, um elemento pouco perceptível – a qualidade do ar – mas que vitima ao ano mais do que conflitos armados de algumas cidades ao redor do mundo.

3) O exemplo de que reivindicações ambientalistas podem e devem ser exercidas além das esferas tradicionais de atuação, ou seja, em novos e inúmeros foros de discussão, sejam elas iniciativas privadas ou público-privadas.