Jovens menos idealistas e mais pragmáticos?

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- outubro 14, 2013

Na discussão do ano passado sobre saúde no Brasil fiquei surpreso com uma revelação dada em um encontro de médicos, de que uma das especialidades menos desejadas pelos estudantes de medicina é a pediatria.

Naquela oportunidade me foi relatado que pediatras da rede pública em São Paulo costumeiramente registram boletins de ocorrência preventivos, com a finalidade de evitar eventuais processos judiciais por negligência médica ou mesmo omissão de socorro.

Explico: com o número reduzido de pediatras nos postos de saúde e hospitais, amplia-se muito o número de atendimentos por médico, gerando, com certeza, queda na qualidade do atendimento.

O assunto foi matéria do Fantástico algumas semanas atrás e uma das propostas para resolver o problema seria melhorar a remuneração da especialidade, objetivando atrair os jovens médicos para a mesma.

Entretanto, acredito que essa questão é reveladora de valores: no momento em que jovens escolhem especialidades mais bem remuneradas, que hoje são aquelas relacionadas à estética, vemos que existe nessa escolha uma tendência clara na sociedade.

Assim, constata-se uma quebra de paradigma, uma vez que sempre se associou a medicina a um compromisso ético com o paciente e com a saúde, sendo que, trabalhar com crianças foi, por muitos anos, um ideal perseguido pelos jovens médicos.

Certamente vivemos em um mundo em que valores associados ao consumo e ao bem-estar material são evidentes. É justa a reivindicação de que os médicos sejam bem remunerados, independentemente de suas especialidades, e a tensão entre médicos e planos de saúde mostra que, há muitos anos, os médicos brasileiros enfrentam problemas de sobrevivência.

Mas o que queremos discutir aqui é se a escolha preferencialmente por especialidades como dermatologia, cirurgia plástica e endocrinologia não representaria uma inversão de valores.

Em outras palavras, a pergunta seria se os jovens de hoje têm ou não compromissos sociais efetivos com a transformação da sociedade, como de certa maneira ocorreu nas últimas gerações.

Se, de um lado, a escolha dos médicos acima mencionada representaria o contrário, vale lembrar que muitos estudos têm revelado que jovens profissionais têm colocado critérios éticos e de sustentabilidade na escolha de seus empregos, o que desmentiria a ideia de que os jovens de hoje são menos comprometidos.

Acredito que um dos desafios atuais se dá pelo aumento da expectativa de vida, o que leva a uma situação absolutamente questionável. Jovens precisam escolher suas profissões aos 18 anos, quando a sua expectativa de vida tende a aumentar dramaticamente.

Ou seja, o jovem precisa escolher uma profissão nos primeiros 20 anos de sua vida, ainda que possa viver até os 90 ou 100 anos. Muitos já falam em uma adolescência prolongada ou mesmo de uma quarta idade face à longevidade maior que a humanidade está vivendo.

Entretanto, este aumento de longevidade ainda não se refletiu no momento das nossas escolhas profissionais…

Fato é que esse mundo de rápidas transformações traz mais complexidade às escolhas, de modo que é difícil julgar sem correr o risco de excessivos reducionismos.

Mas, evidentemente, a falta de pediatras no Brasil pode sinalizar opções de cunho mais pragmático por parte dos jovens de hoje, o que é, no mínimo, preocupante em um mundo que exige tantas e radicais transformações éticas de valores.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 5 de setembro de 2011.