O bode na sala

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- outubro 2, 2013

No humor judaico, existe uma piada muito antiga. O cidadão foi reclamar com o rabino que estava muito difícil morar com a mulher e os três filhos em uma casa tão pequena. Muito barulho, confusão e pouco conforto. O rabino lhe disse que seria bom se ele colocasse três galinhas na pequena moradia.

Quinze dias depois, o cidadão voltou mais incomodado do que na primeira conversa e o rabino lhe disse, “coloque a vaca na casa”. Três semanas depois, permanecendo o desconforto, o rabino sugeriu que se colocasse um bode na casa. Passado certo tempo, o cidadão, furioso, procurou o rabino novamente e esse lhe disse, “retire todos os animais da casa”.

Depois de muito tempo, o rabino encontrou o cidadão que estava feliz e aliviado e lhe disse, “a casa sem os animais está ótima”.

Esta, de certa maneira, é a estratégia da bancada ruralista no que tange à votação do Código Florestal. A cada momento é colocado um bode na casa e, com isso, se agravam os impasses e as dificuldades de se resolver a questão.

Como comentou Roberto Klabin, empresário e presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, esse pessoal, no Congresso Nacional, não tem apego ao interesse público e sofre de uma visão de curtíssimo prazo.

Qualquer argumento que procure encontrar a convergência entre conservação ambiental e agricultura é instantaneamente repelido. Há que se lamentar pelas futuras gerações de agricultores.

O ex-governador do Acre e senador Jorge Viana, em artigo recente, chamou atenção para as dificuldades de se manter o equilíbrio no Código Florestal em função da pequena representação política dos ambientalistas no Parlamento.

Vale lembrar que ele, juntamente com o senador Luiz Henrique da Silveira, foram os principais articuladores do projeto aprovado no Senado que representava uma solução politicamente viável e mais equilibrada.

Sempre é bom assinalar que, com exceção da Mata Atlântica, a única legislação que protege os biomas brasileiros é o Código Florestal. Na medida em que se diminui a proteção, os mesmos ficam a mercê do desmatamento e outras ações irresponsáveis.

A Constituição de 1988 determinou no parágrafo 4º artigo 225, legislações específicas para os principais biomas brasileiros, o que até o momento não aconteceu.

Aliás, o Congresso Nacional determina, no Código recém aprovado, que o Executivo envie projetos que enfrentem essa lacuna, abrindo mão de suas prerrogativas.

Paradoxalmente, discute através de emenda constitucional a retirada do poder de criação de Unidades de Conservação e demarcação de terras indígenas do governo.

A criação de normas específicas por biomas e bacias hidrográficas certamente seria uma solução mais inteligente pela possibilidade de se levar em consideração aspectos multidisciplinares, entre outros, a topografia, o tipo de solo e de vegetação, os impactos do aquecimento global sobre os ciclos hidrológicos, além dos aspectos socioeconômicos.

Em outras palavras, permitiria se agregar aspectos científicos e técnicos na elaboração da legislação, garantindo a sustentabilidade dos biomas e, com isso, das próprias atividades econômicas neles exercidas. Mas para isso, os ruralistas precisariam pensar a longo prazo.

Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 13 de setembro de 2012.