O diálogo mostrará o caminho

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- agosto 21, 2013

Nessa semana, não há como deixar de comentar os desdobramentos acerca da polêmica do Código Florestal. Desde a publicação do relatório do Deputado Aldo Rebelo, temos assistido a um verdadeiro duelo entre os ambientalistas e ruralistas, caracterizando a perda de oportunidades de se encontrar uma posição equilibrada que possa manter o essencial da legislação florestal em vigor e simultaneamente fazer aperfeiçoamentos na mesma. No entanto, com a forte pressão da sociedade civil e opinião pública, o autor do relatório apresentará alguns pontos que poderão ser mudados, tais como: a dispensa de reserva legal para as pequenas propriedades com até quatro módulos rurais, que poderá valer apenas para a legalização de áreas já desmatadas e não para a derrubada de matas remanescentes; bem como as multas aplicadas até julho de 2008, que poderão ter prazo de prescrição suspenso; dentre outros pontos.

Segundo diversos veículos de informação, o deputado pretende apresentar as suas sugestões de mudanças no dia 5 de julho e, nesta mesma data, começar a discussão e a votação do texto, que deverá ser concluído no dia 6.

Mesmo com a disposição do deputado Aldo Rebelo em votar o texto na próxima semana, é imprescindível ressaltar que o período eleitoral pelo qual o país está passando acaba por não gerar um ambiente propício ao diálogo. Isso porque as eleições proporcionais (deputados e senadores) estão cada vez mais disputadas, e os candidatos portadores de bandeiras são mais visíveis para o eleitorado, de modo que votar uma matéria de tal relevância nesse momento estimularia palanques demagógicos e eleitoreiros, tirando credibilidade do Parlamento. Dessa forma, é possível que a votação dessa complexa matéria não seja realizada no próximo dia 6. Segundo o entendimento de deputados da bancada ambientalista e também de lideranças do governo, o ideal seria deixar a respectiva votação para depois do pleito eleitoral, ou seja, após outubro próximo, com a garantia de que sejam feitas maiores discussões com relação ao assunto.

Acredito que o que tem ficado desse embate todo é um ressentimento por parte dos produtores rurais de certa estigmatização por parte da sociedade, que precisaria ser encarado de frente neste debate. Em outras palavras, os mesmos se ressentem da falta de reconhecimento de seu importante papel na produção de alimentos e na economia brasileira em função da exportação de commodities, conforme evidenciou o artigo publicado na Folha de S. Paulo do dia 25 de junho de 2010 : o articulista se refere à satanização de quem produz no campo e pede que se dê voz “a aqueles que de fato manejam a terra”.

Creio que seja extremamente necessário que nosso poder público tenha uma ação mais efetiva no que tange aos pequenos e médios produtores rurais. Esses últimos há muito tempo deixaram de receber práticas de extensão rural necessárias ao seu próprio negócio, permitindo inclusive que ações de conservação de solo e de recursos naturais sejam realizadas para assegurar a sustentabilidade de suas atividades agrícolas a médio prazo.

Além disso, praticamente inexiste uma política de crédito efetiva para recuperação dos ativos ambientais das propriedades rurais, que uma vez bem articulada poderia trazer renda adicional para os proprietários rurais pela geração de créditos de carbono no âmbito do Protocolo de Quioto, bem como a neutralização de emissões nos mercados voluntários de carbono existentes em vários países.

Em outras palavras, até aqui se perdeu uma oportunidade única de estabelecer um novo marco legal florestal no Brasil, bem como de se estabelecer um denominador comum entre o ambientalismo e a agricultura brasileira, que permita avançarmos concretamente na implementação de boas políticas públicas florestais e de estímulo a uma agricultura sustentável, que venha a produzir bens saudáveis para os consumidores e assegurar boa renda aos proprietários rurais.

A incapacidade de encontrar um diálogo efetivo com todas as partes envolvidas na questão agravou-se com o estabelecimento de maioria ruralista na própria Comissão sobre o assunto e na realização de audiências públicas que primaram por garantir a hegemonia de um público que está em busca de uma “regularização” de seus passivos ambientais, mas que não tem uma visão estratégica de seu negócio a médio e longo prazo.

Vale lembrar que no Brasil e no mundo, os consumidores tenderão cada vez mais a exigir melhores práticas na produção de bens e serviços, sendo a certificação desses últimos um requisito essencial para garantir o cumprimento de normas socioambientais e sanitárias. Esses consumidores exercerão, como avalistas, papel crucial à sociedade civil no processo. Isso quer dizer que aqueles que não se prepararem para atender a essas novas demandas estarão, em breve espaço de tempo, com o seu visto de entrada no mercado cassado pelo consumidor.

O ideal seria que os parlamentares de todos os matizes estabelecessem publicamente um compromisso de retomar essa discussão logo após as eleições, como já mencionado anteriormente, procurando, de início, encontrar o denominador comum entre os “litigantes”, onde a premissa básica da mudança da legislação fosse a criação de instrumentos de flexibilização das normas legais vigentes, ao invés de pura e simplesmente revogá-las. Associar os instrumentos de flexibilização às políticas de crédito e geração de ativos ambientais que possam ser comercializados num mercado especialmente criado para essa finalidade representaria uma importante inovação nas políticas ambientais brasileiras.

Por fim, uma “solução negociada” definitivamente transformaria o resultado dessa discussão num instrumento importante para implementação do desenvolvimento sustentável no Brasil, atendendo às presentes e futuras gerações dos habitantes desse planeta.

Publicado no Terra Magazine em 05/07/2010