O exemplo de Obama

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- agosto 29, 2013

Em primeiro lugar quero pedir desculpas ao leitor desta coluna, mas correrei o risco de parecer monotemático. Diante das manchetes dos principais jornais do país nessa última semana, torna-se impossível não falar de Obama e os seus primeiros dias na Casa Branca.

 

A recente pesquisa realizada pelo Pew Research Center para verificar quais as principais preocupações dos americanos revelou na semana passada que o aquecimento global é a última das 20 principais questões que os preocupam no momento. Em meio à crise, o fortalecimento da economia e a garantia de emprego passaram a ser as principais bandeiras dos eleitores americanos.

 

Entretanto, apesar do contexto econômico preocupante e contrariamente ao que muitos esperavam, Obama não cedeu e manteve os compromissos assumidos durante o período de campanha. Já na primeira semana de governo anunciou diversas medidas, colocando a questão ambiental no centro de sua política. Ainda que dentro da crise, o novo presidente comprova que possui visão estratégica, de longo prazo, mesmo quando os eleitores parecem valorizar ações que resolvam seus problemas no menor espaço de tempo. A garantia de emprego e a saúde da economia mundial dependem de uma revisão profunda do nosso modelo de desenvolvimento hoje calcado na exploração indiscriminada de recursos naturais. Nas palavras de Obama, pelo bem da segurança, da economia e do planeta, é preciso ter coragem e o comprometimento de mudar.

 

De fato já estamos vendo a promessa se tornar realidade. A coragem e o comprometimento foram anunciados esta semana: os EUA deverão diminuir em 40% suas emissões de gases efeito estufa até 2020. Para atingir esse objetivo o governo apertará as montadoras e reverá as regras do governo Bush que impediam que estados tivessem limites mais rígidos de emissão de gases do que os limites nacionais.

 

As medidas anunciadas demonstram a importância do tema do aquecimento global e mais do que isso: que não há incompatibilidade entre proteger a saúde da população e o meio ambiente e resolver os problemas decorrentes da crise mundial. Infelizmente no Brasil continuamos com uma visão estreita, conduzindo as nossas políticas como se houvesse um antagonismo entre crescimento econômico e o bem estar do planeta.

 

No Brasil, o Governo Federal e o de São Paulo recentemente concederam recursos com a finalidade de garantir a demanda de automóveis, sem condicionar tais medidas a um melhor desempenho ambiental de seus motores. Barack Obama, entretanto, na primeira semana de seu governo anunciou novos padrões de eficiência de combustível para os automóveis americanos (CAFE – Corporate Average Fuel Economy), emissão de gases efeito estufa, e determinou às autoridades federais que abram mão dos questionamentos dos estados legislarem sobre a matéria. Explico melhor: nos EUA os automóveis devem atender a padrões em termos de quilometragem por litro. No Brasil isso nunca foi feito, ainda que tenhamos sofrido dramaticamente a crise do petróleo na década de 70, a ponto de que uma das medidas para combater o consumo de combustíveis tenha sido o fechamento dos postos nos finais de semana.

 

Do ponto de vista da legislação dos estados americanos, a Califórnia sempre criou padrões mais rigorosos em termos de poluição. Fato importantíssimo, dado que a principal fatia do mercado automobilístico se encontra na Califórnia. Aqui, infelizmente, nunca conseguimos seguir o modelo americano, mesmo considerando que São Paulo esteja para o Brasil como a Califórnia está para os EUA.

 

Quando Secretário de Meio Ambiente de São Paulo e responsável pela implementação do rodízio, busquei inspiração na Califórnia elaborando um projeto de lei denominado Política Estadual de Transporte Sustentável e Controle da Poluição. Na época, foi uma tentativa de responder às criticas legítimas sobre o rodízio de veículos pelo fato de que ele impunha restrições à circulação dos automóveis sem que o poder público assegurasse alternativas de transporte público barato, eficiente e não poluidor. O projeto introduzia muitas inovações no campo de controle de poluição, especialmente em relação aos padrões de emissão dos veículos, determinando que os automóveis destinados a São Paulo atendessem peculiaridades relativas aos nossos congestionamentos. Hoje os automóveis brasileiros são submetidos a testes nacionais que ignoram solenemente as péssimas condições do nosso trânsito. A indústria montadora brasileira luta radicalmente contra tais medidas, pois isso certamente significará maior esforço tecnológico e diferenciação do produto em relação às condições de circulação. Não estamos aqui tratando apenas de meio ambiente, mas de expectativa de vida de cada um de nós, pois viver em cidades altamente poluídas representa sua diminuição, como mencionamos várias vezes nessa coluna, além de ter sido objeto de divulgação pela mídia internacional e brasileira.

 

A dificuldade na aprovação deste projeto encaminhado pelo governador Mario Covas em 1998 se dá em primeiro lugar pela falta de apoio do Executivo Estadual, que não percebeu a sua importância, deixando de colocá-lo na lista das prioridades políticas na sua relação com a Assembléia Legislativa. Penso que nossos governantes ainda não perceberam que medidas como essa significam menos investimentos em hospitais, menos desembolso da previdência, enfim, economias importantes para qualquer governo. Os deputados estaduais, nesse caso particular, são os principais responsáveis por este projeto não caminhar na Assembléia, sendo impossível não mencionar o poder do lobby das montadoras. Vale lembrar que o projeto chegou a ser extraviado nas comissões legislativas.

 

A indústria montadora brasileira, por sua vez, merece críticas severas, por não incorporar veículos mais eficientes e mais seguros na sua atuação no mercado brasileiro. O jornal O Globo, na edição do último domingo, fez uma matéria na qual ressalta que os veículos brasileiros de exportação “têm mais itens de segurança do que os vendidos no mercado nacional, como airbag, cintos com pretensionador e redutor de carga”. Além disso, na análise de impacto, os carros para exportação demonstraram performance significativamente superior aos vendidos no mercado nacional.

 

O que dizer sobre essa situação? Numa época em que se valoriza novamente a regulação, não há outro caminho que a pressão sobre o legislativo estadual e o próprio governador José Serra para que efetivamente sigam Barack Obama, colocando na agenda política do país temas relevantes como o da saúde da população e a proteção do meio ambiente,  demonstrando que desenvolvimento sustentável é isso.

Publicado no Terra Magazine.