O tema do século

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- outubro 10, 2013

Um dos temas mais vulneráveis e preocupantes que teremos que enfrentar será certamente a oferta de água potável para a população mundial neste século. Os dados são mais que alarmantes: enquanto no século XX a população triplicou, o uso de recursos renováveis cresceu 6 vezes; nos próximos 50 anos a população mundial aumentará entre 40 e 50%; atualmente 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável. Questões como estas nos colocam problemas que terão que ser enfrentados ainda neste século, exigindo medidas firmes por parte dos governos e comprometimento dos setores empresariais e sociedade civil.

No Brasil ainda há muito o que ser feito, mas a existência da Lei dos Recursos Hídricos já é um si um grande avanço. A Lei 9.433/97 trouxe uma mudança de paradigma na forma como os recursos hídricos eram tratados na sociedade brasileira. Sua origem e seu desenvolvimento foram pautados pelas discussões paralelas que se estabeleciam em todo o mundo, sobre a necessidade de se implementar um desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, ela incorporou ao arcabouço legal brasileiro alguns conceitos fundamentais dessa visão de sustentabilidade no que se refere à água, trazendo o que de mais avançado havia na visão universal dessa temática.

A gestão descentralizada dos recursos hídricos, a compreensão da água como elemento dotado de valor econômico para induzir novos comportamentos e a promoção da participação social na sua gestão são alguns desses elementos fundamentais que conectaram o trato dos recursos hídricos do Brasil com o que havia de mais avançado no pensamento contemporâneo sobre sustentabilidade e recursos naturais. Mais que isso, a grande importância da Lei 9.433/97, ao instituir a Política Nacional de Recursos Hídricos e ao induzir o conjunto de transformações que se seguiu, inclusive a Lei de criação da ANA (Agência Nacional de Águas), foi de ter dado operacionalidade a esses conceitos universais, permitindo uma estruturação institucional que, hoje, constitui exemplo para o mundo.

Se fizermos uma retrospectiva dos últimos anos, mais precisamente de 1992 para cá, podemos dizer que alguns temas ganharam muita importância no cenário mundial, dentre eles o tema do aquecimento global e o tema da água, que está refletido no capítulo 18 da Agenda 21. O terceiro tema em importância é o do papel do setor privado, em especial o comportamento do setor empresarial na questão do desenvolvimento sustentável. Se examinarmos os recentes movimentos desses três temas, percebemos que dentre as enormes conectividades que poderiam ser lembradas, a água é, sem dúvida, o eixo mais perceptível. Cada vez se observam maiores preocupações, não apenas no rebatimento das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos, mas também na percepção dos novos comportamentos do setor empresarial no rumo da sustentabilidade que, invariavelmente, remete ao uso racional e sustentável das reservas de água. Exemplo disso é o estudo sobre água lançado pelo World Business Council, com idéias muito interessantes no rumo da sustentabilidade desse recurso. Segundo as diretrizes do Global Reporting Initiative (GRI), água é o grande indicador para mostrar o que está sendo feito pelas empresas em prol da sustentabilidade do planeta.

Estes são exemplos de como a temática cresceu e da gravidade e urgência que vem alcançando junto aos formadores de opinião no nível mundial, inclusive pressionando para a formação de um regime internacional sobre água, nos moldes dos que existem sobre clima e biodiversidade. Voltando à Lei n. 9.433/97, eu diria que ela reflete essa tendência universal, pois permite que nos organizemos a partir de premissas essenciais: fixa conceitos e aponta necessidade de construção de processos. Acho, inclusive, que na medida em que o tema se torna mais urgente, o que vem acontecendo de forma crescente, há uma aceleração desses processos. Nesse contexto, a Política Nacional de Recursos Hídricos oferece possibilidades concretas de se atingir metas universais a partir da solução de nossos próprios problemas.

Publicado no Terra Magazine em 19/02/2008.