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Os tribunais e o direito à vida do pato mergulhão

Em algumas semanas a Constituição Federal vai completar 25 anos. Em que pesem muitas críticas, ela representou um grande avanço em muitas áreas no Brasil, sendo que alguns temas ganharam autonomia e hoje têm vida própria e efervescência, muito além do que muitos dos constituintes poderiam imaginar.

Há alguns dias atrás, tive a oportunidade de conhecer Tagore Trajano, que está finalizando sua tese de doutorado sobre “direitos dos animais”. Ele é hoje um dos expoentes do tema no Brasil.

Tagore se notabilizou pela defesa dos direitos de uma chipanzé chamada Suíça, encarcerada em péssimas condições no zoológico de Salvador. Com o professor da UFBA – Universidade Federal da Bahia e promotor público, Heron Santana, foi impetrado o primeiro hábeas corpus em favor de um animal no Brasil, a chipanzé Suíça, sendo que ela faleceu antes que a decisão fosse proferida, marcando a jurisprudência brasileira a esse respeito: cabe hábeas corpus para os animais?

O que esse artigo visa é chamar atenção para o fato de que a Constituição Brasileira, no capítulo do meio ambiente, tratou, pioneiramente, desse assunto ao proibir no inciso VII do artigo 225 qualquer prática de crueldade animal. Anteriormente, dois projetos de lei foram rejeitados no Congresso, o primeiro que tentava instituir o abate humanitário (PL n.º 3929/1989), e outro que proibia expressamente a Farra do Boi (PL n.º 564/1988). No caso da Farra do Boi, houve uma decisão do Supremo Tribunal Federal que expressamente proibiu, em caráter definitivo, a realização do evento.

Questões relativas aos direitos dos animais têm sido pauta da mídia nacional e internacional. O New York Times, em matéria recente, registrou a perseguição por parte do governo municipal a cães de grande porte em Pequim, gerando um verdadeiro terror aos seus possuidores. Apenas a título de informação, a regra restritiva se refere a cães com mais de 35 cm de altura, atingindo Golden Retrievers e outras raças conhecidas.

O importante nesse artigo é mostrar que o reconhecimento dos direitos dos animais é um assunto que cada dia mais ganha importância, penetrando na agenda política e dos tribunais simplesmente porque as pessoas hoje reivindicam essa inclusão. E o que há pouco mais de duas décadas era considerado ridículo ou excêntrico – proteger os animais na Constituição, hoje é encarado como indispensável por parte muito expressiva da sociedade.

Estudiosos como o Tagore, Heron e Edna Cardoso, uma das pioneiras na defesa dos direitos dos animais no Brasil, imaginam como tornar mais efetiva a norma constitucional e utilizar instrumentos processuais que permitam o recurso ao Poder Judiciário para torná-las mais efetivas.

Na minha conversa com Tagore, comentamos sobre a possibilidade de ingressarmos com processo judicial para protegermos o pato mergulhão. Esta espécie é uma das mais ameaçadas do mundo e de acordo com a entidade Terra Brasilis, sua população está reduzida a 250 indivíduos, sendo que todos se encontram no Brasil.

Antigamente eles ocorriam também na Argentina e Paraguai, porém não se tem notícia de pato mergulhão nesses países há muitos anos. No Brasil, eles se encontram principalmente na região da Serra da Canastra (MG) e também na Chapada dos Veadeiros (GO) e Jalapão (TO).

Por que não pensar em uma ação judicial em que esses poucos indivíduos possam buscar no Judiciário brasileiro o seu direito a vida?

Texto publicado no Jornal Brasil Econômico em 01 de agosto de 2013.

 

Parque do Gandarela: a prova dos nove da Vale

No mês passado, o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 5807/13, que trata do novo marco regulatório sobre mineração.

Acertou, o Executivo, em evitar a edição de Medida Provisória, por se tratar de uma matéria complexa, que merece atenção da sociedade brasileira pela importância que a mineração adquiriu na economia, sendo uma das âncoras importantes da balança de pagamentos.

Em primeiro lugar, é importante se assinalar que constitucionalmente os recursos minerais pertencem à União.

De modo que um dos aspectos mais importantes dessa discussão consiste em sabermos o que de fato fica para a sociedade brasileira quando se explora os minérios. Vale registrar que em muitos municípios e regiões, nos quais há intensa atividade de mineração, o IDH é inexplicavelmente baixo.

E por se tratar de um recurso finito, hoje grande parte das preocupações se dá com a extinção dessa atividade econômica, de modo a se evitar que as comunidades envolvidas fiquem apenas com os “buracos” da atividade.

A sociedade brasileira deve se preparar para esse debate, buscando um marco regulatório que implante, efetivamente, uma Mineração Sustentável no país. Seria importante que nos déssemos conta de que o engajamento nesse debate é tão fundamental quanto a discussão dos royalties do petróleo.

Outra notícia importante nos últimos dias foi a emissão de Licença de Instalação concedida pelo Ibama para a Vale, permitindo à mineradora o início das obras para a construção de uma usina que irá processar o minério de ferro de Carajás. Com isso, de acordo com o presidente da empresa, serão investidos R$ 19,6 bilhões, tornado-se esse seu maior projeto, com todos os cuidados ambientais para garantir sua sustentabilidade.

É bom lembrar que a Vale empreendeu enorme programa publicitária, afirmando se considerar uma das mais importantes empresas sustentáveis do mundo, apontando uma série de atividades para comprovar essa afirmação, dentre as quais a conservação de florestas na Amazônia, inventário de emissões de gases efeito estufa com medidas de mitigação, além de muitos investimentos socioambientais e culturais.

Entretanto, creio que a empresa tem diante de si a “prova dos nove” em relação à incorporação efetiva da sustentabilidade em seu modelo de negócio: a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.

A preservação da Serra do Gandarela é considerada o principal desafio da política de conservação da biodiversidade em Minas Gerais. Na região existem 20.000 hectares de Mata Atlântica, parte em estágio avançado de regeneração e de vegetação primária, sendo a maior área existente na região metropolitana de Belo Horizonte.

É a segunda maior extensão de Mata Atlântica contínua do Estado de Minas. Contempla também o “geossistemas de cangas ferruginosas”, localizado no Quadrilátero Ferrífero, importantes em si mesmos e fundamentais para a recarga dos aquíferos lá existentes. Os recursos hídricos são importantes para o abastecimento da região metropolitana de Belo Horizonte.

A criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela é unanimidade nos debates em todas as instâncias. Hoje, encontra resistência apenas da Vale no que tange a sua abrangência territorial, de modo que superada essa barreira única, mas importante econômica e politicamente, estaremos implantando na prática um exemplo de Mineração Sustentável.

Texto Publicado no Jornal Brasil Econômico em 25 de julho de 2013

Terceiro setor

Fabio Feldmann, desde o inicio de sua vida acadêmica e profissional, tem participado de inúmeras organizações da sociedade civil. Primeiramente, foi consultor jurídico da Associação Paulista de Proteção à Natureza (APPN) e, em 1980, fundou com outros ambientalistas a OIKOS – União dos Defensores da Terra, entidade da qual iria se tornar presidente alguns anos depois. Entre suas bandeiras mais importantes estava a luta contra a poluição de Cubatão. Sua primeira vitória foi a criação da Associação das Vítimas da Poluição e das Más Condições de Vida em Cubatão.

Mais tarde, foi o fundador da SOS Mata Atlântica da qual foi também o primeiro presidente, do Instituto GEA – Ética e Meio Ambiente e da Fundação Onda Azul. Além disso, atua como conselheiro na The Nature Conservancy Brasil, na Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, no Instituto Akatu, no Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas – GVces e na própria SOS Mata Atlântica. Foi membro do primeiro conselho do GRI (Global Reporting Initiative), do Grupo Especial para a Rio+10 da IUCN (International Union for Conservation of Nature and Natural Resources) e é membro o conselho da ONG internacional Ecological Footprint. Participa também dos Conselhos Editoriais da Revista Horizonte Geográfico, da Revista Direito Ambiental (Revista dos Tribunais) e da Revista Página 22.

Fundou, com outros 40 ambientalistas, em 1999, o Instituto Pró-Sustentabilidade, ONG dedicada a ações de educação ambiental.

Em 2000, em uma iniciativa conjunta com o então Presidente Fernando Henrique Cardoso, criou o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas com o objetivo de disseminar e engajar as diferentes esferas da sociedade (sociedade civil, governo e iniciativa privada) na discussão sobre o tema das mudanças climáticas e principalmente preparar o presidente da República para tratar deste tema. Fabio Feldmann atuou como seu secretário-executivo até o ano de 2004, organizando uma série de eventos e reuniões para capacitar os vários atores.

No início do ano de 2005, Fabio Feldmann assessorou a criação do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade, iniciativa do Governo do Estado de São Paulo, que segue parte do modelo proposto pelo Fórum Brasileiro, porém agrega um relevante tema em sua agenda: a conservação da biodiversidade. O Fórum Paulista procura estabelecer uma sinergia entre os dois temas, agregando não somente a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e a Convenção sobre Biodiversidade, mas também outras convenções que versam sobre os assuntos. Além disso, o Fórum apresenta objetivos mais específicos, como a capacitação da sociedade civil para participar das COPs (Convenção das Partes) nos dois temas; capacitação da iniciativa privada para elaborar projetos utilizando MDL e a elaboração de políticas públicas sobre os dois temas. Fabio Feldmann foi o primeiro secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e Biodiversidade.