Trancoso: “Quem sabe faz a hora, não espera…”

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- agosto 23, 2013

Semana passada fui convidado para participar de uma reunião do Conselho Gestor da APA Caraiva-Trancoso para explicar o pedido de tombamento do Quadrado de Trancoso e seu entorno e o registro imaterial de manifestações e celebrações que lá ocorrem (Procissão, Dança do Pau, Puxada de Mastro e Samba de Couro). Na volta, pensando na reunião me lembrei da música de Geraldo Vandré (“Pra não dizer que não falei das flores”), “quem sabe faz a hora não espera acontecer”.

Trancoso é para mim um dos destinos turísticos mais significativos do Brasil por abrigar uma série de atrativos culturais, ambientais e comunitários. Por outro lado, se encontra como todos os outros destinos turísticos do Brasil sob intensa pressão por parte de interesses imobiliários e de um turismo de massa, que no tempo podem matar a galinha dos ovos de ouro.

A reunião foi muito tensa no seu início na medida em que extravasou os conflitos lá existentes, embora pessoalmente acredite que há mais em comum naquelas pessoas do que de início alguém pudesse avaliar. Todos – cada qual com seu olhar – têm imenso amor por Trancoso e se preocupam sinceramente com seu futuro. O seu maior desafio está em evitar o que se denomina “Tragédia dos Comuns”, ou seja, a ausência de um entendimento comum do que é possível se fazer em termos de utilização do Quadrado e seu entorno. No âmbito local, Trancoso reflete o desafio em relação ao planeta, com o atenuante de que no seu caso há um desejo verdadeiro de se conservar esse patrimônio para as futuras gerações.

Assumo que houve um equívoco no processo de informar a todos sobre o significado do tombamento e do registro das festas, de modo que a percepção inicial na reunião era de que uma vez efetuado o mesmo estariam sendo os proprietários dos imóveis punidos pela legislação de proteção do patrimônio. Ao contrário, entendo que o que falta ali são normas claras do que se pode ou não fazer, especialmente em relação às fachadas e à volumetria dos imóveis localizados no Quadrado, mas também entendo que é necessária uma proteção em relação ao entorno, especialmente para proteger os fragmentos florestais ali existentes, até mesmo pela importância na drenagem daquele espaço.

As cidades de Ouro Preto, Parati e Petrópolis possuem toda uma regulamentação sobre o uso do seu conjunto arquitetônico e os critérios de intervenção neste (cor, fachada, volumetria, arruamento, letreiros, vegetação, etc), de modo que não existe originalidade no pedido. Tais normas existem há muitos anos e são aceitas sem qualquer resistência, até porque o usufruto desse patrimônio pertence fundamentalmente aos seus moradores, mas também aos turistas e outros brasileiros que reconhecem nessas cidades aspectos importantes do patrimônio cultural do Brasil e da Humanidade.

O pedido de tombamento foi dirigido ao órgão estadual de proteção ao patrimônio cultural, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural – IPAC, ainda que exista um tombamento federal sobre Porto Seguro feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, órgão do Ministério da Cultura. A nossa idéia sempre foi de articular o poder público na defesa do Quadrado, com a finalidade de acabar com o empurra-empurra entre governo federal, governo estadual e a prefeitura local. Explico: o IPHAN possui nos últimos anos um número ridículo de funcionários para exercer suas atividades de consulta técnica, orientação, e fiscalização numa região que abrange os municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro e seus Distritos. De acordo com dados de Abril de 2008, a equipe era composta por 1 Chefe de Escritório Técnico (e 2 auxiliares administrativos, 1 motorista, 1 assistente administrativo e 2 funcionários de limpeza).

A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, por sua vez, também revela uma enorme fragilidade institucional para assegurar a conservação do patrimônio ambiental compreendido pela APA. A Prefeitura oscila entre os interesses de curto prazo, basicamente de arrecadação, e fecha os olhos para os problemas de Trancoso…

Os problemas de Trancoso não são exclusivos daquele local, verificando-se pelo país afora, mas a razão do otimismo é que ali há um movimento que deseja a sua preservação. A omissão é basicamente do Poder Público que no Brasil tem sido incapaz de entender que a sustentabilidade é o único passaporte para o futuro.

No caso do IPHAN, seria o caso de aplicar em Trancoso o conceito de “Paisagem cultural brasileira”, ou seja, entender que se trata de uma situação peculiar do território brasileiro “representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”. Para tanto, é preciso que tenha coragem de assumir a necessidade de uma postura pró ativa na direção de editar regras claras sobre o conjunto de Trancoso.

No caso do IPAC, deixar de pensar miúdo e fugir de suas responsabilidades, liderando a articulação das esferas públicas, até mesmo porque o pedido de tombamento é subscrito pelo próprio Secretário de Meio Ambiente da Bahia, Juliano Mattos, apoiado pelo Prefeito do Município Gilberto Abade e pelo atual Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e subscrito pelas mais importantes entidades não-governamentais do Brasil (Grupo Ambientalista da Bahia – Gamba, Fundação SOS Mata Atlântica, Greenpeace, The Nature Conservancy – Brasil, Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável – FBDS, Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – Programa MAB/UNESCO, Instituto Bioatlântica, Associação Brasileira de Ecoturismo – Ecobrasil, Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS) e pela entidade local Sociedade Amigos de Trancoso – SAT.

E no caso da Prefeitura, o prefeito Gilberto Abade, demonstrou em conversa comigo que pretende inovar na gestão de Porto Seguro, querendo impor uma visão de turismo sustentável, que garanta a perenidade dos atrativos turísticos de seu município. Para quem não conhece, Gilberto Abade tem uma história de vida marcada pelo empreendedorismo, que esperamos seja empregado em prol da região, marcando uma era política diferenciada em Porto Seguro, que tem um dos piores Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do Brasil. De acordo com o último levantamento do IDH (2001), enquanto Porto Seguro apresentou 0,699, Ouro Preto e Petrópolis obtiveram respectivamente 0,787 e 0,804, e Salvador 0,805. Em outra comparação, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, Porto Seguro apresentou a nota 3,1, enquanto Ouro Preto e Petrópolis obtiveram respectivamente 3,5 e 3,7.

Como se pode notar, qualquer projeto de sustentabilidade para Trancoso (e Porto Seguro) envolve não só a proteção dos patrimônios histórico, cultural e natural, mas também que a receita proveniente do turismo gere bem estar para a população e melhora na educação, saúde, etc.

Saí da reunião com a esperança que é possível preservar Trancoso e inovar no conceito de desenvolvimento sustentável. Tudo depende de como irá se desdobrar a discussão em curso.